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sábado, 24 de setembro de 2016

O Bilhete

Roupas espalhadas por todos os lados. Tênis de Jorginho largado próximo à porta, paletó de Frederico em jogado em cima da cadeira, bolsa de Laurinha abandonada em cima da mesa. Não adiantava. Por mais que Ana reclamasse para cada um guardar sua bagunça, ninguém nunca a ouvia. E lá estava ela, tarde da noite, colocar os tênis da sapateira, a bolsa no cabideiro e o paletó no cabide.

— Amanhã se estiver tudo espalhado novamente, vou jogar fora — uma das inúmeras ameaças não cumpridas que fazia.

Todo dia a mesma coisa. Todo dia uma ameaça não cumprida. Todo dia a mesma desculpa.

Certa vez, enquanto pendurava o paletó de Frederico — o marido que estava sempre trabalhando, sempre chegando tarde em casa —, viu um papel amassado cair do bolso ao chão. Ana o olhou e o pegou.

— Só um papel amassado que deve estar à espera de uma lixeira — disse a si mesma e foi até a lixeira da cozinha colocá-lo no lixo.

Já era tarde e estava cansada por ter arrumado toda a casa. Aquela era a hora do seu tão esperado descanso. Ana foi até a escada, mas parou no primeiro degrau, ainda com o pé suspenso, ao lembrar do papel amassado.

— E se for um bilhete de alguma amante? — Pensou, irrompendo em fúria. — Se aquele safado estiver me traindo...

 Ana deu meia volta e retornou à cozinha, pegou o papel na lixeira e o leu.

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Ela suspirou, mal dando atenção pequenino nome escrito no fim do papel.

— É só um endereço.

Ana jogou o papel novamente no lixo e subiu as escadas, para o quarto. Vestiu sua camisola de seda e deitou na cama, ao lado do marido. Rolou para um lado e depois para o outro.

— E se for o endereço da sirigaita?

Ana levantou da cama, com cuidado para não acordar o marido. Frederico se mexeu, ela o olhou por alguns instantes, mas ele não acordou. Então, encaminhou-se para o escritório, onde o computador ficava. Ligou-o, xingando pela demora para iniciar. Abriu o google e digitou o endereço.

Nada, absolutamente nada. O endereço parecia não existir.

Desligou-o, aos xingamentos. Se o computador fosse uma pessoa, teria a mãe xingada de tudo o que era nome.

Ana subiu as escadas novamente e voltou para o quarto. Quando Frederico perguntou a ela onde foi, sorriu e respondeu que precisava beber água, pois a garganta estava seca.

Deitada na cama, voltou a rolar para um lado. Depois para outro. Olhou o relógio de cabeceira. Quatro horas da manhã. Frederico já dormia outra vez.

— Frederico, seu safado, amanhã... Se estiver me traindo...

Frederico se mexeu, mas não acordou. Ou se acordou, não demonstrou.

Voltou ainda a rolar de um lado para outro. Depois outro. Pensou em passar um pente fino no terno pela manhãzinha já que à noite não enxergaria mais nada. Então, rolou para esquerda. Novamente para a direita. Voltou para esquerda antes do sol nascer, para seu alívio.

Ela levantou e correu para o banheiro. Lavou o rosto e se olhou no espelho.

 — Frederico, se estiver me traindo, eu vou descobrir!

Voltou às pressas para o quarto. Pegou o paletó e o levou para a área de serviços. Lá, com a ajuda de uma lupa e seus óculos, Ana vasculhou cada centímetro da roupa.

Inspecionou minuciosamente três vezes. Não havia encontrado nada. Nenhum cheiro estranho. Nenhum fio de cabelo suspeito perdido.

Ela andou de um lado para o outro pensativa. Parou, pegou novamente o bilhete e o leu. Tentou mais uma vez o endereço no google, sem qualquer sucesso. Xingou pela milionésima vez o computador enquanto o desligava.

— Frederico, seu desgraçado...

Andou mais um pouco de um lado para o outro. Então parou, pegou o bilhete e o terno e subiu para o quarto. Frederico já estava acordado e estava no banho, arrumando-se para o trabalho.

Ana sentou na poltrona em um canto do quarto e esperou.

— O que significa isso? — Inqueriu Ana no instante em que Frederico abriu a porta e colocou os pés para fora, com a toalha enrolada na cintura.

— Isso o quê? — Estava confuso.

Ana começou a bater o pé no chão nervosamente. Ela esticou o braço e entregou o bilhete.

Frederico o pegou, leu e o amassou de volta, deixando-o em cima da cama. Ele abriu o armário, pegou uma roupa e começou a se vestir.

— Lixo.

A batida ritmada no chão perdeu seu ritmo e acelerou.

— Não me faça de trouxa! De quem é o endereço?

Ele a olhou por instantes e ponderou. Então em silêncio, pegou sua pasta e um terno qualquer do guarda-roupa, tacou o terno no ombro e desceu, até a garagem.

Ana se levantou e correu atrás dele, aos berros.

— Não vai me responder? Isso só prova que é culpado!

— Quando você se acalmar, nós conversamos. Agora preciso trabalhar.

Frederico entrou no carro sem esperar uma resposta. Bateu a porta, deu partida no carro e saiu. Em sua cabeça, pensava somente em uma única pergunta:

Como explicar para uma cega de ciúmes que o que ela pensou ser um endereço de uma suposta amante nada mais era do que as minhas respostas para uma adedonha descontraída do trabalho?

Um comentário:

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