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quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Avião

Com o pé direito, Lorena entrou. Havia se preparado muito, pois há vários meses esperava por este dia. Era o dia em que embarcaria, voaria para a Inglaterra e se apresentaria para o mestrado em Cambridge, cuja vaga conseguira com muito esforço, entre as poucas para alunos estrangeiros.
 
Muito ouvira falar sobre viagens de aviões e pouco esperava, de modo que se surpreendeu. Já ficou logo encantada. Os quatro assentos largos, dois em cada lado, em que caberia até seu tio Jorge, que já passara muito do peso recomendado. O estofado ergonômico diminuiria as dores lombares frequentes devido às longas horas sentada. E o espaçoso bagageiro que caberia com folga sua pesada bagagem de mão.
 
Ela consultou o número da poltrona na passagem e a procurou na cabine. E logo o sorriso esmaeceu. Pela primeira vez, agradeceu por ser tão magra, ou de outra forma não caberia. O espaço, que no início havia sido ocupado por duas largas poltronas, agora, naquela fileira, estava ocupado por três. Pelo menos teria a janela.
 
Lorena colocou sua mala no bagageiro indicado cuidadosamente para que pudesse fechá-lo, e sentou, não menos contente.
 
Um comunicado do piloto pelo alto falante a fez colocar o cinto. Ela segurou o braço do acento, mas o avião decolou antes que percebesse.
 
 Dentro do avião, as horas pareciam passar em uma velocidade completamente diferente. Já havia lido várias páginas de seu novo livro. A vista doía, a coluna doía, as pernas doíam, o estômago roncava e a bexiga apertava, mas ainda mão passara nem da metade das horas daquele voo.

Decidiu levantar e esticar as pernas, ir até o banheiro e esvaziar a bexiga. Mesmo com tudo o que ouvira, nada poderia a preparar para aquele momento. Lorena pediu licença, mas os assentos apertados só dificultavam ainda mais sua passagem. Recolher as pernas não ajudou, de forma que precisou quase arrastar as pernas dos outros junto consigo para conseguir chegar até o corredor.
 
Mais uma vez agradeceu por ser tão magrinha. Sua tia Eliana, que não chegava a ser gorda, teria problemas maiores para passar com aqueles quadris largos e os glúteos grandes.
 
Para sua felicidade, o banheiro estava vazio. Ela entrou, e mais uma vez, seu sorriso esmaeceu. A bexiga já dava sinais de querer vazar e nada de a porta sanfonada querer fechar. Levou um minuto para finalmente fechá-la quando um temor começou. O banheiro era tão pequeno que não conseguia nem respirar.
 
Imaginou seu tio Jorge tentando usar aquele banheiro. Uma onda de pânico se instalou e a descarga piorou. Não bastasse o confinamento naquele espaço pouco maior do que ela, por um momento, um estranho pensamento também ocorreu. Quando apertou a descarga, pensou ter despressurizado o avião. Saiu correndo, sem fechar o zíper da calça ou lavar as mãos, e encontrou o avião inteiro em silêncio. Nenhum sinal de qualquer coisa errada.
 
Continuou andando, só para não parecer ainda mais louca, e se perguntou se não estaria ficando paranoica como sua ex-professora da academia.
 
Voltou a se sentar em sua poltrona. Um sufoco para passar pelas pessoas, arrastando as pernas de todo mundo e pedindo desculpas, sem graça, logo em seguida. Desejou não ter mais que ir ao banheiro até o avião pousar. Duvidava que um dia iria se acostumar com aquela descarga a vácuo ou com o banheiro que lhe causava falta de ar.
 
Lorena afundou no assento e aos poucos adormeceu para só ser acordada com um novo comunicado do piloto, o qual inicialmente não entendeu muito bem. Ela afivelou novamente o cinto e, quando o avião sacudiu, apertou o braço da poltrona com força. Sentiu o avião bater em alguma coisa e então parar. Só relaxou quando viu todas as pessoas se levantarem, pegarem suas malas e saírem.
 
Com os dedos brancos e dormentes, os glúteos doloridos, o estômago se corroendo e a coluna implorando por um descanso, Lorena suspirou. Ela ainda teria mais dois voos até a universidade.

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