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quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Velhice

— Maria?

Maria piscou os olhos. A sua frente, um garçom a olhava em espera.

— Uma coca, por favor — pediu, apressada.

— Lata ou refil? — Perguntou o garçom.

Maria a olhou. Estava sozinha à duas mesas, sentada de frente para ela. Era não menos que uma senhora de oitenta anos.

— Lata — respondeu.

— Duas cocas, uma lata e um refil. Mais alguma coisa, senhoritas?

Ela a olhou novamente, a senhora parecia contente.  
 
— Não, nós ainda vamos dar uma olhada no cardápio.

O garçom assentiu e se retirou.

— O que você prefere, Maria, calabresa ou catuperoni?

— Catuperoni — respondeu a menina sem nem tocar no cardápio. 
Sua mente estava distante. Havia algo naquela idosa que a intrigava. Algo que a impedia de tirar os olhos.

— Catuperoni então. O que acha da borda recheada?

Maria apenas assentiu, sem nada mais a acrescentar.

O garçom não demorou muito para retornar com as bebidas, registrar o pedido da comida e desaparecer novamente, deixando as duas meninas sozinhas novamente.

— Qual é a nossa próxima aula?

Maria não respondeu. Apesar de ter ouvido a pergunta, sua mente estava concentrada em duas mesas à frente, de modo que seu cérebro demorou para processar a pergunta. Ela viu o momento em que um garçom a serviu uma pizza tamanho família com tudo o que tinha direito. Viu o momento em que um sorriso largo se abriu no rosto da idosa ao ver a pizza.

Por um momento, sentiu uma pitada de inveja. Ela mesma, apesar de tão jovem, era incapaz de comer algo tão gorduroso como aquela pizza sem passar mal.

Viu senhora pular quando o celular tocou. O sorriso desapareceu após olhar de quem era a ligação. A senhora não atendeu, deixou o celular tocar em cima da mesa.

Não tardou muito para que uma mulher na casa dos cinquenta anos entrasse às pressas pela porta da frente da pizzaria e se encaminhasse para a mesa da senhora, completamente aflita.

— Mamãe! Quantas vezes preciso dizer para não sair de casa desse jeito? E por que não atendeu o celular?

A idosa não respondeu.

— O que é isto, mamãe? — Continuou a filha, falando ainda mais alto e chamando a atenção de todos no restaurante. — A senhora já colocou duas pontes de safena, um stent e ainda é diabética, não deveria estar comendo isso.

— É sempre não beba refrigerante, você é diabética. Não coma gordura, suas veias estão entupidas. Não suba escadas, suas pernas estão fracas. Não se exercite demais, seu corpo já não aguenta. Não saia de casa desacompanhada, sua cabeça não está mais boa. — Ela parou e olhou nos olhos da filha antes de continuar. — Ora, eu já alcancei os oitenta e quatro anos. Se vou morrer hoje ou amanhã, que diferença isso faz? Já aproveitei tudo o que podia aproveitar e já fiz tudo o que eu tinha que fazer. Você, por outro lado, ainda tem muitos anos à frente, deveria se preocupar mais em aproveitar o que tem ao invés de controlar o que me resta. A vida é curta, Maria, e passa rápido. — Ela parou novamente e voltou para a pizza. — Agora vê se senta nesta maldita cadeira e pare de fazer um escândalo.

A filha obedeceu e se sentou em silêncio, ainda estupefata.

A jovem Maria sorriu. Não era todos os dias que ouvia tais palavras. Ser idoso tem seus problemas, mas não significa que devem viver em uma prisão ou que não possam aproveitar as coisas boas que ainda restam.

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