Era uma apresentação frente ao palácio de Changdeok, na Coreia do
Sul. O considerado prodígio quando o assunto era maremotos, terremotos e
vida marinha. O homem que aos vinte e um anos conseguiu transformar a
comunidade cientifica com ideias simples e interpretações certeiras do
que era realmente Oceano. Um que com a fama conseguida passou a
apresentar-se em programas de televisão e, tendo uma gestão pessoal bem
sucedida, se tornou bilionário. Vários países do planeta utilizavam seus
radares contra tufões, furacões e ciclones marinhos. Ele era um gênio,
outros diziam que ele era um deus. O messias de algumas religiões.
Todavia, dizia simplesmente que interpretar as causas e entender o mar
como gente era o somente necessário para aquele sucesso meteórico
instantâneo. Ele era o Italiano com nome de imperador e apelido
mitológico simbólico...
Olhando ao espelho em seu camarim – o qual
ficava em uma dos vários aposentos do antigo palácio real – via como
estava e tentava deduzir o que esperava. Pessoas comuns, pessoas da nata
da sociedade, pessoas que queriam saber como ele fazia sua mágica ou
tentar ao menos...
– Nero! Está quase na hora!
– Espere, Vittorio.
Seu
terno era branco. Armani. Do melhor tecido. Sua cabeça raspada
combinava com a pele branquinha levemente bronzeada. Seus olhos azuis
como a cor do oceano contrastavam com sua roupa. Gravata azul e sapatos
de idêntica cor para combinar aos olhos. Excêntrico, mas elegante. Via
humanos como Mario Balotelli, Cristiano Ronaldo e outros lançando
estilos e, por que, ele não poderia lançar um próprio? Gostava daquela
sensação. De estar por cima. De ser desejado. De ser algo superior a
tudo que estava sob os céus.
Foi quando seu Iphone
vibrou. Precisava ficar conectado as inúmeras redes sociais não somente a
trabalho, mas para manter-se por dentro dos novos visuais e lançamentos
de roupas de seus ídolos. Não que se vestisse da mesma maneira, mas no
mundo atual, aparência era fundamental. Foi assim que subiu. Foi assim
que apresentou seus projetos a uma bancada na faculdade. Foi assim que
cresceu na vida quando se tornou o geógrafo e oceanógrafo mais bem pago
do planeta. Olhou e viu o horário de sua apresentação.
Saiu pela
porta alaranjada que separava o camarim do corredor, seguiu por este até
chegar às escadas que levam ao palco montado no meio da praça dentro
dos muros do palácio. Respirando fundo, esboçou um leve sorriso.
–
Por que vocês todos estão aqui? Por que querem ver um show? Por que
querem que eu mostre uma utopia a qual tornei realidade ao prever
fenômenos como maremotos e ciclones formados nos oceanos?
Era
assim que ele começava a atiçar sua audiência. Curiosidade sempre foi à
alma da questão. Ele abriu os braços à medida que falava para várias
pessoas. Quase trinta mil lotando o interior do palácio sul coreano.
–
Eu digo que se você observar verdadeiramente as coisas, novos
horizontes se abrem. Veja a história do voo da andorinha, por exemplo.
Ela só o faz em determinados horários e tempos do dia. Quando ela voa
rasante próximo à água é por que dali a cerca de trinta minutos ocorrerá
uma espessa neblina... Você acreditaria? Você acreditaria que ao
observar o voo de um simples pássaro, qualquer um poderia prever que
aconteceria uma neblina? – ele tomou um copo d’água localizado em cima
do palanque de discurso – Muitas pessoas se perguntariam que os sistemas
preveriam isso. Claro, antes de mim, já existia vários do tipo. O
problema é simplesmente a questão da previsão, do imediatismo. Eu sempre
comparo a formação de uma neblina através do voo da andorinha com a
formação de maremotos e tufões.
Nero parara e observara
singelamente a plateia. O olhar fixo. Querendo saber mais, urgindo que
ele terminasse seu raciocínio o deixava com ego elevado. Afinal, uma
pessoa que já fora considerada deus por todos, possuía um elevadíssimo. A
história dizia assim. Tudo convergia para essa forma, pois quando a
pessoa pode fazer o que elas quiserem, elas se tornam soberbas e
convencidas. De que podem tudo. De que realmente tem o mundo em suas
mãos e assim consideram-se deuses. Cada um tem seu deus interior. Porém
cabe a cada pessoa decidir se ele é um bom ou um maligno.
– Os
movimentos das placas tectônicas são imprevisíveis? Os maremotos são
imprevisíveis? Os ciclones e trombas d’água são imprevisíveis? Essas
perguntas permearam minha mente. Poseidon ou Netuno, deus dos mares, era
a causa de todos esses eventos no passado. Por que não no futuro? É
algo complexo e simbólico com o qual se eu parar para explicar será como
uma aula e eu irei cobrar a hora.
Ele gargalhou seguido da
plateia. O gênio era realmente diferenciado. Nero Pagani, o homem que
nasceu para revolucionar o mundo dos mares. Entrara na faculdade de
geologia com apenas dezesseis anos e ali não parou mais de estudar e
observar coisas que ninguém conseguia. Sentia que poderia prever quando
catástrofes aconteceriam nos mares através da migração e movimentos dos
animais marinhos. Como se eles se comunicassem consigo.
Utilizando
seus conhecimentos em rochas oceânicas e o movimento das placas
tectônicas, resolveu um dos maiores mistérios da humanidade: A alta
estática do Triângulo das Bermudas e do Mar do Diabo. No primeiro, o
problema era com um resfriamento e superaquecimento os quais formavam
bolhas. As chamadas bolhas de Netuno em homenagem ao deus Greco-romano
das águas. Essas bolhas causavam turbulência no sistema de navegação dos
navios e os tornavam instáveis. Os “tsunamis” eram previstos com um
prazo tremendo de dois minutos antes de ocorrerem e o próprio Nero
trabalhava em aumentar o prazo. As receitas chegavam aos montes e ele se
dava ao luxo de recusar ofertas públicas tentadoras, como trabalhar nos
Estados Unidos. Sempre afirmava que na América ele não poderia levar o
estilo que levava...
– Vocês me chamam de deus... Vocês me chamam
de profeta – disse Nero sorrindo para a plateia – eu digo simplesmente
uma coisa: Na bíblia, deus fez os humanos a sua forma. E como somos
diferentes? É por que somos deuses. Não eu. Todos nós. Quando fazemos
algo de diferente, algo que nos fazem atingir o topo, as pessoas acabam
rotulando-nos de deus de alguma coisa, correto? O apelido que vocês me
deram eu gostei, por que eu sou fã dele. Mas eu digo: cada um de vocês
podem se tornar uma coisa se seguir os passos certos.
Seu silêncio por minutos fez um garoto da frente perguntar com um tom de curiosidade mórbida.
– O quê?
– Vocês podem... – ele fez uma pausa – Tornarem-se Deuses.
A
ênfase na palavra final arrepiou a todos e foi a deixa para que ele se
retirasse. A pessoa conhecida como deus dos mares pelo ramo acadêmico
somente sorriu, com mais um discurso concluído...
***
Passada-se
horas, Nero não teve muito tempo para descanso, afinal ele já teria que
estar a caminho de sua cidade natal, Livorno, a conhecida cidade ideal
pela renascença italiana. Lá era a matriz da empresa que revolucionara o
mundo com previsões precisas sobre águas marinhas e os movimentos das
marés. O mar Adriático, mediterrâneo e o negro estavam amplamente
mapeados e possuíam diversas rotas seguras aos diversos marinheiros e
pescadores que as utilizavam. A tecnologia “Netuno” empregada nas
embarcações também emitia sinais ao condutor quando tempestades em alto
mar aconteciam. O sistema era quase preciso e o homem conhecido como
Poseidon do século XXI orgulhava-se disso. Reduziu em cerca de nove
décimos os acidentes com barcos e navios e o número destes meios de
transportes à deriva diminuiu drasticamente. Isto o deixou bilionário,
construindo algo que beneficiava a raça humana e era tão rico quantos
jogadores profissionais e artistas famosos. Ninguém poderia reclamar,
nem os idealistas que diziam sobre a gratuidade de tudo o que fosse de
interesse mundial. O empresário sempre retrucava dizendo que “Não existe almoço grátis em economia”, explicando sobre a sociedade tão avançada, cética e consumista como era a atual humanidade...
– Lisana! Vittorio! Como estão as críticas aos erros do BR-3 e AG-1?
– Não muito boas Nero. – respondeu um homem de cabelos loiros e lisos – Você precisa pessoalmente consertar as falhas.
Os
símbolos eram identificações dos pontos marítimos próximo aos países
que requisitavam seu sistema. BR-3 seria o terceiro ponto de transmissão
do Brasil e AG-1, o primeiro localizado próximo à costa argentina.
–
São cálculos apenas – respondeu Nero, olhando aos documentos dados por
Lisana – Não é possível que não exista alguém que não sabe fazer essas
contas.
– Esse é o problema, Nero. Elas não batem com os sinais
transmitidos. O Costa Concórdia IV naufragou a vinte e três quilômetros
de distância do ponto sinalizado. O que significa que o calculo errou
por...
– Doze vírgula quarenta e três milhas náuticas aproximadas –
respondeu o homem ajeitando-se na poltrona de seu avião – O transmissor
fora verificado? Pode está com defeito.
O jovem empresário olhou novamente aos documentos.
– Doze milhas náuticas é um numero muito alto.
–
Pensei a mesma coisa e chequei – Vittorio mostrou outra série de
documentos – A última verificação fora feita mês passado, ou seja, é
recente.
– Os transmissores calculam a distancia baseado no sonar
ou ondas eletromagnéticas emitidas pelo navio em questão. É simples,
porém com uma precisão incrível. O operador não precisa de habilidade,
simplesmente converter o número que aparece em milhas náuticas... – Nero
murmurava a si mesmo enquanto olhava os papéis – O calculo da conversão
está correto, o problema está no receptor... Quem foi que mexeu no
transmissor?
– Ninguém – Vittorio deu de ombros e olhou para
Lisana, uma alta mulher de cabelos vermelhos compridos. Estava vestindo
um casaco de couro por cima de uma blusa alaranjada. Uma saia jeans
completava o visual da “secretária” de Nero Pagani – Ninguém mexeu no
transmissor.
– Isso me cheira a história de Ulisses e o Polífemo –
o italiano se remexeu na poltrona – Se ninguém mexeu no transmissor e
não foi erro de calculo foi o que? Alguma ideia?
Seu amigo Vittorio sentou-se a sua frente.
– Mexeram no navio talvez?
– Em Cruzeiros, o sistema Netuno fica na hélice. É impossível você mexer sem danificar o aparato. Planejei isso de propósito.
– O transmissor foi modificado? Tipo na hora da renovação?
De repente, Nero levantou-se da poltrona confortável dando um susto em seu assistente e amigo de infância, Vittorio Rossetti.
– Quem foi à pessoa que editou o transmissor no mês referido?
– Nome? Tá aqui... Desconhecido...
O
homem de um metro e oitenta e oito pós as mãos no rosto e começou a
gargalhar intensamente. Após minutos de alegria aparente, o mais jovem
bilionário da história se recompôs gradativamente.
– Primeiro você
vai ter que fazer recall mundial dos transmissores que tem esse
‘desconhecido’ no nome. Segundo, estou cansado e irei dormir... Assim eu
penso melhor... E as ordens – o rapaz de vinte e dois anos voltou a
relaxar em sua poltrona, inclinando-se totalmente para trás – São para
agora. Iremos ao Brasil, após passar por Livorno.
Uma coisa que
seu amigo sabia era a atitude de Nero frente a dificuldades. Normalmente
ele tinha um ataque de risos e, se pudesse, descansaria a fim de evitar
o stress causado pelos problemas. Vittorio pensava que aquilo seria
simplesmente a genialidade do infame “deus dos mares” entrando em ação. O
império marítimo seria a companhia deles à medida que a cabeça pensante
era um humano o qual parecia ser de outro mundo. Isso lhe dava orgulho.
De trabalhar a ele, de ser seu assistente, de ser seu amigo desde as
épocas remotas. O homem considerado uma divindade era seu mestre.
Lisana,
a mulher que sempre observara as conversas, sentia-se de maneira
idêntica. Uma especialista em segurança contratada sobre o viés de
secretária fora escolhida, no meio de vários nomes, para fazer o papel
de chefe de gabinete e a segurança do novo empresário assim que ele
ganhou o primeiro milhão. Tratada como uma de suas principais
funcionárias rapidamente Nero ganhou sua confiança e lealdade. Não
serviria outro homem a não ser aquele “deus grego” como chamavam as
famosas. Um dos dez solteiros mais cobiçados do mundo, ele sabia como
ditar moda. Mas seu amor pelo seu mestre era mais como de uma
subordinada olhando para cima e ver alguém superior. Não entendia nada
daquela conversa, mas sabia que seu “rei” tomaria a melhor decisão.
Disciplinador,
contudo carinhoso. O herdeiro da família Pagani sabia ser um líder
nato. Nascera com essa habilidade além da inteligência. Poucos nascem
com algo fora do comum e era algo que a ciência, a qual ele amava, não
explicava. Porém outra coisa que a ciência não explicava era os sonhos e
o que significariam cada um deles. Há algum tempo vinha observando um
mundo utópico, um o qual ele era o “imperador dos mares” com várias
concubinas e uma “imperatriz”. Ela o chamara a atenção pela sua beleza.
Pela sua inteligência e pela sua força. Uma mulher que poderia mexer com
o coração de qualquer um. E ela o acalmava quando teria que tomar uma
decisão... Uma daquelas que poderia ser de vida ou morte.
–
Onde você está minha linda? – perguntara um Nero deitado numa praia
olhando aos céus com o rosto da mulher que sempre aparecia em seus
sonhos – Onde você está para eu te buscar?
– Tem certeza que você quer me buscar? – indagara o belo rosto que mixava seus cabelos com a crista do sol da manhã.
– Só quero ao menos te conhecer, minha inspiração.
– Então sou somente uma inspiração?
– Claro, se não seria minha imperatriz?
– Uma resposta com uma pergunta... Você está ficando muito inteligente Poseidon.
–
Você vira meu lado guerreiro e bruto, Anfitrite. Nessa reencarnação não
sou assim. Sou astuto e inteligente. Tanto é que tenho guerreiros para
lutar para mim.
– Não acha que agora que é mortal você
tem medo de morrer? Quando era Imortal não precisava se preocupar com
isso... Afinal era um deus.
– E ainda sou – Nero sorriu
levantando a mão direita aos céus – O verdadeiro significado de deus não
é alguém que anda por cima dos homens. Que tem poderes mirabolantes...
O silêncio do homem fez a mulher de seus sonhos ficar emburrada.
– E qual o verdadeiro significado?
–
É o que estou fazendo como Nero Pagani. Entendi nas diversas vidas
passadas o que significa ser deus. E o que significa ser humano. Nós os
fizemos a nossa realidade, mas eles são superiores e estou amando minha
posição.
– Ficando rico à custa de um sistema que privilegia sua habilidade...
– Se eu nascer novamente, eu irei procurar outro projeto e avançarei a humanidade. – ele sorriu – Isso é ser deus.
–
Uma boa resposta, imperador – a voz de Anfitrite soou irônica. Afinal o
nome dele era o nome do último imperador da dinastia Julio-claudiana, a
primeira dinastia romana – Se realmente quiser me ver...
– Vou a terra onde minha primeira falha aconteceu... Agora eu sei onde é essa terra, brasileira.
E
depois Nero aprofundou-se em seus sonhos esperando o dia que
ansiosamente encontraria a garota de seus sonhos e confirmasse as
suspeitas que tinha desde que isso começara. Que ele era realmente
Poseidon, o antigo deus dos mares da mitologia grega.
Capítulo escrito por Vini Ribeiro
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