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terça-feira, 26 de agosto de 2014

Capítulo 13: Susan

─ Susan, querida – ela ouviu alguém chamá-la em tom de preocupação.

─ Vovó... – a jovem apertou os olhos tentando enxergar as feições de sua avó, sua visão ainda estava um pouco enevoada. – Onde estou?

─ Você nos deixou muito preocupada, Susan – disse Eleonor se aproximando.

─ Você está no hospital, querida – respondeu Mary.

─ Hospital? – ela olhou, atordoada, ao seu redor. Estava deitada em uma cama de hospital em um quarto particular. Havia um acesso preso em seu braço e uma grande bolsa de soro pendurada. – O que aconteceu?

─ Ah, querida... – Mary a olhava com pesar.

─ Descanse, Susan, depois conversamos sobre isso.

─ Ela precisa saber o que aconteceu, o que você deixou acontecer.

─ Não, é melhor deixá-la descansar mais um pouco. A coitada está atordoada, será que não consegue ver, Mary?

Susan assistiu a Mary e Eleonor voltarem a brigar sem interesse, o mesmo nome ecoava em sua cabeça sem parar. O que queria dizer isso? Será que estava ficando louca e ouvindo coisas? Não, ela não se sentia louca, sentia-se completamente sã. Então o que era aquela voz?

─ Então você já acordou – disse o médico ao entrar o quarto, acordando-a de seu devaneio -, esperava que conseguisse dormir por mais alguns dias.

─ Mais alguns dias? Há quanto tempo estou dormindo?

─ Vamos ver – ele caminhou até a base da cama de Susan e releu seu prontuário. – Ah, sim, claro. Você está dormindo há três dias.

─ Três dias? – ela suspirou.

─ Seu corpo estava exausto devido a seus problemas com o sono, por isso dormiu por alguns dias. Mas agora, como se sente?

─ Me sinto bem, sinto como se um peso houvesse desaparecido.

─ Isso é um ótimo sinal, sua recuperação está indo bem. Porém anda teremos que fazer alguns exames, você deveria se considerar sortuda, mocinha, por não ter sido atacada por aquele lobo também.

─ Lobo... – repetiu lembrando-se do animal fantasma e o ataque a Roger – O que aconteceu com Roger?

─ Não sei dos detalhes, você terá que perguntar a Mary e Eleonor. Voltarei mais tarde quando seus exames ficarem prontos, aproveite o tempo e tente descansar um pouco mais.

Susan anuiu e o observou sair pela porta. Em seguida, ela olhou para sua avó e antiga babá, as duas haviam parado de brigar, mas não pareciam muito felizes com a presença uma da outra.

─ O que aconteceu ao Roger? – indagou na esperança de que não voltassem a brigar.

─ Aquele seu amigo? Ele foi desfigurado por aquele animal selvagem – respondeu Mary de ímpeto.

─ Mary! Ela precisa descansar, não precisa dessas lembranças agora.

─ Ela tem que saber que o amigo dela morreu e que ela vai precisar depor novamente.

Ela suspirou e ignorou mais uma discussão das duas. Virou a cabeça para o outro lado e fitou a janela enquanto deixava as memórias lhe voltarem, uma a uma.

Roger havia invadido sua casa e a ameaçara quando fora atacado pelo lobo. Contudo, o animal nunca tivera a intenção de machucá-la, ela percebeu isso quando o olhou em seus olhos, era como se ele tentasse protegê-la do surto de Roger. Mas por quê?

─ O mesmo lobo do acidente dos meus pais – murmurou tão baixinho que apenas ela escutou.

Ideias estranhas surgiram em sua cabeça e mais uma vez aquele mesmo nome ecoou, como se uma voz bem fundo o repetisse incontáveis vezes e ele ecoasse pelas paredes de sua mente.

Este nome deve ser a chave para todas essas coisas estranhas, pensou ela ao mesmo tempo em que sentia um objeto sólido e frio aparecer em sua mão. Ela o olhou e novamente o estranho punhal estava com ela, segurava-o com força. O metal gelado parecia congelar seus dedos, mas ela não se importou, ergueu o braço para que pudesse olhá-lo com mais atenção. As estranhas runas ainda a hipnotizavam e pareciam levar sua mente para outro lugar.

─ Susan, o que foi? – interrompeu Eleonor – Por que está com o braço levantado?

Ela a fitou ainda em transe.

─ Você não o vê? – perguntou após longos minutos em silêncio.

─ Ver o quê? Do que está falando? Você está nos deixando preocupadas.

─ Não há nada para se ver, Susan – respondeu Mary.

Ela olhou mais uma vez para sua mão erguida no ar e se deu conta de que segurava apenas o vazio. Seu braço estava erguido e sua mão parecia segurar algo, mas não havia nada ali, a lâmina desaparecera tão misteriosamente como sempre apareceu.

─ Ah... Deixa para lá.

Susan baixou o braço e voltou a observar as nuvens pela janela, constrangida pela situação. Era incrível como só ela conseguia ver aquele objeto e em como ele aparecia e desaparecia. O que aquilo significava?

O dia prosseguiu rapidamente, Susan entrou e saiu de várias salas de exames durante toda a tarde e, no início da noite, recebeu alta do médico. Por todas aquelas horas que passaram desde que acordou, ela ficou pensando naquele único nome no qual não saía de jeito algum de sua cabeça.

Ao chegar à casa, ela comeu e tomou um banho rápido, trancando-se em seu quarto em seguida. Com o notebook em cima da cama, Susan perdeu-se no tempo pesquisando tudo referente àquele nome.

A hora passou sem que percebesse, entrando madrugada adentro. Somente quando seu computador desligou por falta de bateria é que ela notou o passar da hora, porém não sentia sono e não queria dormir. Sentia a necessidade de saber mais e mais, então se levantou e caminhou até sua sala de estar particular para pegar o carregador.

Contudo, um estalo vindo de seu banheiro a fez parar e virar-se. A dobradiça rangeu enquanto a porta se abria devagar e revelava um cômodo escuro e frio, convidando-a para entrar. Como em um transe hipnótico, ela aceitou o convite e caminhou vagarosamente até o limiar da porta, onde parou e fitou a escuridão.

Entre, ela escutou. A voz era fria e afiada como uma lâmina, mas havia certa ternura naquele tom que parecia estar dentro de sua cabeça. Era a mesma voz feminina que ouvira alguns dias antes.

Susan obedeceu e deu um passo à frente adentrando a escuridão, sua mente divagava enquanto seu corpo parecia responder sozinho àquele chamado. A porta bateu atrás de si, despertando-a do transe. Ela se virou de sobressalto e fitou o breu na direção da única saída do recinto, agora fechada.

As luzes se acenderam como em um passe de mágica, apavorando-a. Ela correu para a porta e tentou abri-la, porém a chave desaparecera e a maçaneta parecia apenas enfeite, não importava quantas vezes tentasse girá-la e abrir, não adiantava. Chutou e bateu na porta na esperança de alguém ouvir.
Susan... Aqui...

A voz em sua cabeça lhe chamou novamente, fazendo seu coração disparar. Ela se virou devagar, assustada e suando frio, mas nada havia atrás dela. Seu banheiro parecia idêntico ao que sempre era e não havia sinal de que alguém estava ali.

Assim você vai assustá-la, disse outra voz estranhamente familiar. Esta era mais doce e tranquilizadora, mas não menos assustadora. A ideia de não ter mais ninguém ali dentro e ainda conseguir ouvir vozes tão próximas era por si só apavorante.

─ Quem está ai? – quis Susan saber, sua voz tremia com o pânico.

A primeira bufou. Calada.
 
Você é quem nos colocou nesta situação, disse a segunda.

Aproxime-se, Susan, voltou a dizer a primeira voz. Sem que percebesse, a jovem obedeceu e caminhou até o centro do banheiro, seu corpo se mexia sozinho como se alguém o controlasse. O pânico também diminuiu, seu coração se aquietou e ela não mais suava frio.

Olhou para o espelho e viu seu reflexo parado, fitando-a. Ele sorriu mesmo que ela não estivesse sorrindo, revelando-lhe a misteriosa adaga em uma das mãos. No mesmo instante, olhou para sua própria mão e percebeu que a lâmina era segurada apenas por seu reflexo.

Aquele olhar frio sobre ela a impeliu a dar mais alguns passos para frente, em direção ao espelho, esticou o braço e o tocou. Então tudo aconteceu muito rápido, as paredes do banheiro se desfizeram e todos os objetos desapareceram, a paisagem mudou e em alguns segundos não estava mais em seu banheiro, mas em sua clareira favorita, onde treinava.

Recuperando o controle sobre seu corpo, Susan deu um passo para trás, assustada, tropeçou em uma pedra e caiu no chão.

─ Parabéns. Você a trouxe, mas ela continua assustada – observou a estranha voz familiar.

─ Quem está ai? – perguntou Susan tentando parecer confiante enquanto se levantava do chão.

Ninguém respondeu. A floresta estava, provavelmente, dormindo sob o céu estrelado e ausente de lua.

─ Olá? – perguntou novamente observando ao redor. Sua voz ecoou por toda a mata assustando alguns pássaros.

Um lobo surgiu dentre as árvores e a fitou. Ela o observou e reconheceu os intrigantes contornos irregulares, era o mesmo animal que ela sempre via.

─ Você... Espere – gritou e correu atrás do animal em fuga.

Embrenhou-se na floresta em perseguição ao lobo. Correu o máximo que conseguiu, e surpreendeu-se ao perceber o quão rápido podia correr, sentia-se como se tivesse nascido para aquilo. A brisa úmida e gelada açoitava seu rosto e esvoaçava seus cabelos enquanto perseguia uma presa, uma sensação na qual lhe era tão familiar que por um breve momento pareceu que por toda sua vida fizera aquilo.

Por longos minutos ela correu, desviou dos obstáculos com facilidade em seu caminho e seguiu um fantasma. Viu a paisagem mudar ao seu redor, pinheiros dando espaço a enormes ciprestes; e as estrelas desaparecer no céu noturno. A escuridão se tornava cada vez mais intensa, obrigando-a a aguçar sua audição e olhar com atenção a cada contorno que via a sua frente.

A criatura parou e, para sua felicidade, ela parou também. Estava a alguns metros de distância, arfava com as mãos apoiadas em seus joelhos. Àquela altura, respirar era difícil e dolorido e enxergar era quase impossível, tudo o que via era a silhueta reluzente do animal a sua frente.

Ela deu um passo para frente com as mãos esticadas e disse:

─ Eu me lembro de você... Naquele dia... Naquele dia você me salvou, não foi? Atacou e matou aquele homem para me salvar, não é?

O lobo não respondeu. Também como poderia? Apesar do fato de ser um fantasma, era apenas um animal que só poderia rosnar ou uivar. Ao invés disso, ele a encarou, nos olhos, e mesmo com toda aquela escuridão, ela sentia o peso daquele olhar.

Ele se virou e voltou a correr.

─ Só posso estar ficando louca mesmo, estou falando com um lobo – suspirou.

Susan caminhou na direção em que o animal fora e parou no limiar da floresta. Estava diante de uma enorme clareira, um pouco mais iluminada que todo o resto daquele lugar.

Ela respirou fundo e caminhou colina abaixo, em direção ao centro onde se encontrava uma enorme estátua e algumas tochas, fonte de toda aquela iluminação. O lobo a levara até ali e, então, desaparecera.

Aquela clareira era intrigante e, ao mesmo tempo, tenebrosa. A estranha estátua de pedra lhe atraia de forma inexplicável, sabia que ali teria as respostas para suas perguntas, um sentimento que o lobo a transmitira pelo olhar. Por outro lado, a escuridão da noite e o farfalhar das árvores eram amedrontadores, pequenos vultos com enormes olhos a observavam das sombras.

Aproximou-se e percebeu, para sua surpresa, que a conhecia. Era uma escultura um pouco maior que ela feita de mármore negro, uma mulher em forma tripla onde uma segurava uma espécie de chave, a outra um estranho objeto que Susan não reconhecera e a terceira segurava um punhal de mármore idêntico ao que ela sempre via. Havia duas tochas de pedra em duas outras mãos, estas ardiam como duas tochas comuns, feitas de madeira.

As três mulheres de escultura carregavam em seus pescoços um delicado colar, cujo pingente era um crescente lunar. Outros adornos em forma de serpente enfeitavam os pulsos e as testas da estátua.

Toda aquela atmosfera mítica a conduziu a um novo transe. As árvores ao seu redor se agitaram enquanto perguntas e mais perguntas surgiam em sua mente, deixando-a tonta. Instintivamente, apoiou-se na estátua. Uma onda de calor e tranquilidade inundou seu corpo e alma e despertou antigas memórias que há muito foram esquecidas.

Sua cabeça rodou, perdeu o equilíbrio e caiu sentada no chão. Por um momento, ela se viu em lugares que nunca esteve, fazendo coisas que nunca fez. Mas o mais estranho de tudo isso era que em nenhuma daquelas memórias parecia ser ela. Sentia como se fossem suas, via como se os olhos fossem seus, porém, ao olhar para si mesma, não se reconhecia.

Susan fitou suas mãos, depois a escuridão da floresta a sua frente. Um nó se formou em sua cabeça junto com centenas de outras perguntas, de modo que foi preciso muito esforço para discernir o que via e ouvia ao seu redor.

Milhares de enormes olhos amarelos cintilavam no manto negro que pairava sob o bosque e a olhavam com curiosidade. Brumas surgiram como mágica e recobriram todo o chão de terra à medida que a temperatura caía e o gélido ar a golpeava com força. O frio adormecia seus pensamentos e enlerdava seus sentidos, acalmando as estranhas memórias que surgiam em sua cabeça.

Ela se levantou, tremendo, e, com o canto do olho, perseguiu um vulto pela mata até perdê-lo de vista. Ouviu passos de algum lugar próximo e vozes indistintas, animais corriam ao longe e galhos eram mexidos.

─ Quem está ai? – perguntou assustada antes de ver um novo vulto correndo pelo bosque.

Perseguiu-o com os olhos novamente, desta vez esforçou-se para não perdê-lo. Virou-se, mas nada encontrou, nem mesmo uma silhueta, apenas os estranhos olhos cintilantes observando, espreitando.

Os olhos desapareceram nas sombras e uivos ecoaram por toda parte. Muitos lobos uivavam, todos ao mesmo tempo, enquanto uma figura feminina, acompanhada de um enorme lobo, saía dentre as árvores. Susan a observou, um arrepio subiu por sua espinha conforme as feições da mulher se tornavam mais claras.

A mulher a sua frente era um pouco mais alta do que ela, jovem e assustadoramente bela. Seus olhos eram de um negro profundo e inspiravam o mais puro terror. A pele branquíssima contrastava com o negro dos cabelos e olhos, sob alguns ângulos parecia até um pouco pálida. Contudo, o que mais lhe assustava era a incrível semelhança com a estátua, cujos traços do rosto e corpo eram idênticos. Ela também vestia uma túnica grega e as mesmas joias que a escultura.

Susan recuou alguns passos. Seu corpo tremia, mas não mais de frio, ela tremia de medo.

─ Quem é você? – indagou com a voz trêmula.

Ela olhou mais uma vez para a estátua quando esta se desfez em uma luz negra. Em seguida, voltou a fitar a estranha senhora.

─ Quem sou eu? – perguntou-se.

Outra figura feminina saiu dentre as árvores e se aproximou de Susan, porém, permaneceu na penumbra, ocultando seu rosto.

─ Quem é você, Susan?

─ Como sabe meu nome? – ela deu um passo para trás, tentando esconder o tremor em suas pernas. – E que lugar é este?

Ela observou com mais atenção ao seu redor e percebeu que aquele recinto não parecia com nada que ela já tivesse visto, mas sua atmosfera pesada e sombria era estranhamente familiar. As trevas engoliam as luzes de tal forma que causavam calafrios em Susan.

Todavia, mesmo com toda aquela escuridão, ela conseguiu notar um leve sorriso estampado no rosto da segunda figura feminina, que, a julgar pela altura, não parecia ser mais do que uma jovem menina ainda na pré-adolescência.

─ Este lugar não tem importância neste momento...

─ Como vim parar aqui? – interrompeu sem prestar muita atenção no que dizia. – Eu me lembro de estar em meu banheiro e, quando pisquei meus olhos, estava aqui, nesta floresta.

Um ruído na floresta chamou a atenção de seus olhos, ela avistou novamente o vulto que perseguira minutos antes. Ele saiu do bosque e se aproximou das duas mulheres como uma sombra indistinta, e lá permaneceu, ao lado delas. Elas não reagiram àquela aproximação, talvez por não notarem a sombra, ou talvez por não ligarem para ela. Independente disso, a única coisa que conseguiu identificar era que aquela forma assemelhava-se a de um humano.

─ O tempo está acabando – alertou, ignorando a última pergunta de Susan. – Você precisa parar de lutar contra suas memórias e se lembrar.

─ Me lembrar de quê?
 
Um novo nó se formou em sua cabeça. Por um momento, novas lembranças surgiram, desnorteando-a. Sua cabeça latejou com força de maneira que foi obrigada a se abaixar e ficar de joelhos na terra gelada para não cair. As brumas a envolveram em um abraço gelado, congelando cada parte de seu corpo.

─ Pare – pediu entre vários gritos de dor. – Faça parar, por favor.

─ Você continua lutando contra suas memórias – observou com frieza. – Deixe-as virem, esta é a única forma de acabar com todo este tormento.

─ Tão... fácil... dizer.

A dor lancinante e o frio intenso tornaram impossível aguentar o peso de seu próprio corpo. Ela deixou-o cair no chão e se contorceu de dor, aos gritos. Todas aquelas memórias surgiam de uma única vez e dominavam completamente sua mente. Sentia como se todos seus neurônios estivessem entrando em combustão tentando processar todas aquelas imagens.

─ Eu disse que seu plano não iria funcionar – pronunciou-se a menina pela primeira vez. Ela agarrou o braço da mais velha com força e voltou a dizer em tom de repreensão. – Se continuar, irá matá-la. O corpo humano dela não aguentará as memórias de todas nós.

A mais velha fitou a mais nova com desdém, e depois o vulto ao seu lado. Diferente da jovem herdeira Blair, ela não parecia ter dificuldades para enxergar o vulto com clareza, em sua forma natural. Trocaram demorados olhares.

─ Está bem – cedeu.

Susan sentiu sua mente se acalmar novamente, as lembranças que não reconheciam pararam de surgir e sua dor de cabeça diminuíra aos poucos até desaparecer completamente. As brumas lentamente desapareceram e o ar esquentou a uma temperatura agradável. Ela ainda ofegava, por isso permaneceu deitada fitando o céu, que, apesar de negro, tinha sua beleza.

─ Não sei que tipo de mágica foi essa, mas obrigada – agradeceu aliviada.

─ Não se iluda, criança – advertiu a mulher em tom ríspido –, uma hora essas lembranças voltarão e você terá que se lembrar de quem realmente é. Eu as adiei por um momento, mas elas voltarão, esteja preparada. Viemos apenas te dar um aviso, o tempo está acabando.

Susan se levantou e viu, para uma das suas maiores surpresas naquele dia instigante, que as duas misteriosas mulheres estavam desaparecendo. Seus corpos se tornavam translúcidos progressivamente permitindo que ela visse o que estava atrás delas, o vulto também se tornava cada vez mais transparente.

─ Esperem! Eu não entendo... O que querem que eu lembre? Eu me lembro de toda a minha infância e adolescência, sei quem eu sou. Me chamo Susan Blair e sou a única herdeira de todo o patrimônio da família Blair. E como assim o tempo está acabando? Que tempo está acabando? Para quê?

─ Susan Blair é apenas o seu nome mundano – respondeu a menina. Àquela altura, seu corpo já estava quase completamente transparente, apenas um fraco reflexo permanecia visível. – Há muitas coisas acontecendo neste momento, coisas maiores do que você imagina. Para sobreviver neste mundo que está prestes a mergulhar no caos novamente, você precisará de nós, precisará voltar a ser quem era no passado. Adeus, Susan.

─ Espere...

Ela deu um passo à frente na tentativa de impedi-la, mas já era tarde demais. Com um sorriso no rosto, a menina desapareceu deixando apenas um vazio onde estivera e uma sensação de que já a conhecia.

─ Nomeie-me e terá acesso ao meu poder; aceite-me e ele será seu – disse a senhora, deixando Susan ainda mais confusa. – Agora está na hora de acordar.

A mulher, em sua longa túnica grega, também desapareceu junto com o vulto, deixando-a sozinha novamente naquela clareira escura sob o céu apagado da noite com o lobo fantasma e os estranhos olhos do bosque.

O lobo a encarou por alguns minutos e depois rosnou. Ela recuou lentamente alguns metros enquanto outros lobos, também fantasmas, se aproximaram dela rosnando. Olhou rapidamente ao redor e percebeu que estava completamente cercada por uma enorme matilha fantasma, para seu desespero.

─ Esta noite está ficando cada vez melhor – ironizou alto.

Ela continuou andando devagar para trás, afastando-se o máximo que conseguia dos lobos, o que não era uma coisa muito fácil, visto que estava rodeada de criaturas ferozes e nada contentes. Eles, por sua vez, fechavam o cerco ao redor dela enquanto rosnavam.

─ Susan, querida, você encontrará as respostas que procura em suas memórias latentes – uma doce e, até então, desconhecida voz feminina lhe disse. Parecia vir do céu negro.

Em seguida, tudo aconteceu muito rápido. Ela assistiu a todos os lobos pararem de rosnar e a correr para cima dela para atacarem, assistiu a eles pularem em cima dela impotente. No momento seguinte, ela estava novamente em sua casa, deitada em sua cama. Seu notebook estava aberto ao seu lado e sem bateria, não havia sinal do carregador por perto.

Levantou correndo e um pouco confusa, checou todo seu corpo atrás de possíveis mordidas. Suspirou e relaxou quando constatou que não nada havia e que estava inteira.
─ Um sonho? – perguntou-se alto.

Uma frase ecoou em sua cabeça – Nomeie-me e terá acesso ao meu poder; aceite-me e ele será seu – e, no mesmo instante, o reflexo da misteriosa mulher apareceu no espelho de sua penteadeira.

─ Hécate – proferiu em voz alta, reconhecendo-a e a estátua em forma tripla que vira em seus sonhos, um dos símbolos da deusa grega.

Capítulo escrito por Camille M. P. Machado
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