Ele não se conformava com a rejeição. Como ela não poderia se lembrar
da rainha que ela era? Era impossível, ou achava que seria impossível.
Se ele lembrou, como ela não poderia lembrar? Afinal eles eram ligados,
conectados. Será que as sucessivas mortes abalaram os laços a qual eles
tiveram? Muitas perguntas pairavam na cabeça de um homem que só tinha
uma coisa em mente: Vingança. Uma palavra forte, quiçá potente. Uma
palavra que normalmente tinha algo a ver com destruição em massa e não
poderia gostar mais do que isso. Afinal ele era o deus do submundo. Ele
era Hades.
Como ele descobrira não importava muito a ele. Foi
quando sua família morreu quando ele completara dezoito anos em um
incêndio criminoso numa região próxima a Pusan, na Coréia do Sul. Seus
pais já eram investigados pela Interpol e FBI por conta da ligação deles
com a máfia oriental e o submundo do crime liderado por um homem
desconhecido que atendia pela alcunha de Thanatos. O que importa é que
como ele era jovem e mal sabia dos negócios da família, ele herdou
toda a fortuna e começou a investir no mercado futuro. Derivativos entre
outros ativos do mercado financeiro e fez fortuna apostando contra a
própria moeda de seu país com a crise que se instalara durante todo o
mundo. Triplicou o dinheiro de forma agressiva e se tornou um dos jovens
novos nomes do novo mundo. Havia poucas pessoas que eram tão jovens e
já conseguiam atingir a casa dos bilhões. Dessas, ele reconhecia duas
pessoas: Nero Pagani, gênio da tecnologia naval e Charlotte Wickery, uma
garota que herdaria a fortuna dos pais quando completasse a maioridade.
E era nessa última que ele reconheceu de cara. Tinha a reconhecido como
Perséfone, sua bela rainha do submundo. Do mundo dos mortos e dos
desamparados. As feições, cor do cabelo, o jeito gracioso... Não tinha
como errar. Pois as memórias inundaram seu pensamento quando ele se
encontrou com o primeiro, Nero.
Num aperto de mão, em uma singela
reunião dos maiores empresários de todos os ramos do mundo, as memórias
afloraram. De guerras entre os deuses antigos. Rivalidade e
principalmente algo que ele sentia fortemente por seus irmãos divinos:
Ódio. Basicamente não era olimpiano, mas diziam que era. Seu mundo era
sua fortaleza e nem Zeus ou qualquer um poderia adentrar em seu
território e ainda sim, por vezes, aventureiros ousados embrenharam-se.
Ele odiava interrupções. Odiava tudo e todos. Poderia ser o deus do
ódio, mas deixava isso para a Discórdia, sua filha. Claro que levara
quase seis meses para processar toda a informação que lhe vinha em forma
de sonhos, pesadelos ou passagens naturais durante o dia a dia. Teve
até que tirar férias de sua empresa por causa disso. Porém, após esse
período de reclusão. Estava pronto para outra.
E um rei não poderia ser rei, sem ter uma rainha.
Mas
ela não lhe reconheceu e ainda por cima lhe atacou ferozmente na região
onde seu corpo era mais vulnerável. Ele não deixaria por menos. Ela
iria pagar e caro pela insolência de atacar um deus o qual era o
principal juiz da humanidade pós-vida bem como governava como ninguém a
alma dos mortos. Perséfone até poderia ter algum poder do tipo, mas ele
era mais forte. Afinal o mundo era dele, e ela tinha somente uma parcela
ínfima do poder de um dos grandes. No passado, até que ela poderia ser
amável e casual com ele. E agora, até que ele poderia ter sido bruto e
grosso, Mas ela tinha que pagar de alguma forma, e depois sim, ela seria
toda sua para os confins da eternidade.
Em seu quarto, ele se
arrumava pela noite seguinte ao ocorrido. Um homem bate a sua porta. Ele
reclama de serviço de quarto, porém quando escuta aquela voz, percebera
que a pessoa que estava ali não era ninguém mais, ninguém menos que o
assassino dos assassinos. O homem que se dizia ser o novo deus da morte.
Um que matara o antigo líder da seita assassina e virara grão-mestre de
uma organização com mais de cinco mil membros, os quais controlavam
muito mais. Ele era a nata da nata. E Hades, ou Vincent como era
reconhecido naquele mundo humano, sorriu quando abriu a porta.
Simpatizava sempre com pessoas que exalavam a morte e a escuridão. Ele
teria um lugar privilegiado no novo mundo que surgiria. Um lugar no
Tártaro e no mundo dos mortos.
– Park – disse casualmente
abraçando o oriental que estava vestido com um terno feito sobre medida.
Ricos sempre tinham seus alfaiates pessoais – O que fazes aqui em São
Francisco, uma cidade pequena de Santa Catarina?
– Oferecer uma proposta. – sorriu Thanatos – Mas primeiro deixe-me contar uma história.
– Sou todo ouvidos.
O homem que se passava de programador arrastou uma cadeira e sentou-se defronte ao frigobar que havia na suíte do hotel.
–
Há alguns dias eu voltei da China – começou ele enquanto o americano
certinho de Wall Street continuava a fazer suas coisas – E vi uma coisa
interessante, não lá, mas aqui quando eu cheguei.
– O que?
– Sua amada Charlotte beijando outro homem.
Vincent
– ou Vince como costumava chamar seus amigos – congelou por alguns
instantes. Uma mulher que deu um chute naquela região beijando outro
homem? Se ele, o rei do submundo não era digno, quem era? Isso o deixou
encabulado. O deixou irritado. Por sua vez, Thanatos via uma aura negra
ser emanada do homem o qual ele sabia que era um dos três grandes. E era
ele a pessoa que o tinha atacado. Vincent reconheceu imediatamente Park
Ji Young como o recipiente do deus dos mortos e o atacou ferozmente.
Nessa luta de deuses, a antiga guarda-costas de Park morrera. Ela até
que lutou bravamente e feriu Hades, mas ela não teve chance contra o
poder divino do deus que controlava a alma das pessoas. Após matá-la,
ele retirou sua alma e a armazenou em um recipiente no Tártaro. Era uma
excelente lutadora e poderia ser usada mais adiante em algumas de suas
maquinações. Thanatos o convenceu que não tinha nada a ver com os
deuses, e, portanto obrigatoriamente, deveriam se unir em busca de
vingança contra aqueles que retiraram a sua imortalidade bem como as
lembranças de vidas passadas, de outros corpos e paixões platônicas.
– Quem?
– Cristiano De Wjier, goleiro da seleção belga de futebol e eleito melhor goleiro da última Libertadores
–
Se você pensar como um humano... Você sempre será atraído por um
humano. Mesmo que despertem, suas paixões como humanos se ainda
existirem, não se conseguirá seguir em frente.
– Concordo.
–
Logo – ele se dirigiu a porta bem arrumado – eu matarei a Charlotte e
depois irei retirar sua alma. Ela ficará comigo no Tártaro para todo o
sempre. Reencarnando nas mulheres as quais eu irei indicar. A alma dela é
a de Perséfone, não somente da garota francesa. Mortal e deusa
interpelam em seu corpo. Logo puxarei as duas no pós-morte.
– Como
fará isso? Um deus como você sujando as mãos dessa forma seria
considerado um sacrilégio. – disse Park seguindo Vince através da porta e
fechando-a em seguida – Que tal você utilizar uma pessoa da vida da
garota para matá-la?
– O próprio Cristiano?
– Não – Thanatos recusou imediatamente – Sou torcedor belga, não quero que mate o goleiro do meu time.
– Então quem?
Era
perceptível que Hades havia tomado por completo o corpo de Vincent. Não
havia e nunca mais haveria traços do humano que um dia habitara aquele
corpo.
– Quem você tem em mente?
– Aquele homem que me impediu de conversar com a minha garota, por isso estou indo para o quarto dele agora...
–
O senhor não deveria esperar pela hora da morte? Assim poderia trazer a
alma de qualquer mortal para o mundo do Tártaro e oferecer a liberdade
em troca de uma simples tarefa: Atacar e humilhar Charlotte Wickery. –
Park era inteligente, era muito persuasivo e ainda por cima tinha um
trunfo em sua manga. As informações dadas por seu deus. Era por isso que
Thanatos adorava aquele corpo. Não precisava intervir, não precisava
fazer absolutamente nada, somente observar o que seu grande pupilo
fazia.
– A hora morta? Quando isso passou a existir?
– Idade
média, Vince - ele sorriu sarcasticamente - Parece que suas memórias
ainda não voltaram. A hora morta trata-se do momento em que os portais
para outro mundo são abertos e espíritos ficam com uma influência muito
maior sobre a terra. Nesse intervalo, das três horas da manhã até às
quatro horas, espíritos podem atacar humanos. Fazer com que pessoas
vejam vultos e assassinos sejam atormentados. O Cérberus é uma dessas
pessoas que costuma ver espíritos e matar eles durante essa hora.
– O cão do inferno domesticado por Hércules reencarnou em um humano? Interessante.
–
Mandei o Cérberus fazer uma missão especial. Matar certo loiro que
adora apreciar a sua própria beleza. Ele irá consumir a alma de Narciso.
–
Então farei a alma do homem conhecido como Adônis seja retirada de seu
corpo mortal. Colocarei a alma da garota que era seu guarda-costas com
certas modificações. Ela se encarregará do resto.
– Vim somente
lhe avisar disso – enquanto Vince seguia corredor acima, Thanatos se
dirigiu ao elevador – Eu tenho que ir atrás de uma garota que matou um
homem chamado Roger.
– Vá. Deixe comigo Cristiano e Charlotte.
–
Ah! – disse enquanto entrava no meio de locomoção do hotel – Vem vindo
alguém para lhe ajudar. Dois contra dois é uma luta justa.
“Justa é quando a luta é igual. Cristiano e Charlotte não têm chances contra a minha força e minha inteligência”.
Fora
o que pensara o deus do submundo à medida que seguia lentamente para o
quarto de Adônis. Ele mudara de ideia tantas vezes como o curso infinito
de um rio que desce caudalosamente por uma montanha. Será que ele
acreditava nas palavras de Thanatos? Ou era somente um engodo para jogar
os deuses uns contra os outros? Pediria por provas? Ele decidiu punir o
garoto, uma paixonite antiga de sua antiga rainha por interromper a
conversa dele com ela, e puniria ela pela insolência de atacá-lo. Logo,
uniria o útil ao agradável. E não poderia atacar Cristiano agora que era
um goleiro que estava em evidência no mercado mundial, então restavam
somente à bela Char – como era conhecida por seus amigos – e Adônis, o
homem que não esperava pelo que viria a acontecer.
Quando seu
relógio suíço marcou três horas da noite, ele – sentado na poltrona
defronte a cama de Adônis – observou as mudanças no ramo espiritual.
Como deus do submundo, ele viu portais abrindo em São Francisco de forma
impressionante. Somente as pessoas com almas fortes ou com alguma
pendência do outro mundo poderiam ver aquelas fechaduras ao outro mundo.
Um mundo de morte e punição. Um mundo cheio de perdições. Um cheio de
assassinos cruéis, homens que se diziam anticristos entre outras
pessoas. Os nove círculos do inferno haviam se alinhado perfeitamente.
Hades sorrira. Gargalhara, O Tártaro estava em seu maior esplendor e com
certeza naquele horário poderia haver qualquer invasão do submundo para
a terra, se ele assim quisesse.
Adônis acordara incrédulo com a risada de Vincent Carter.
– Você? O que está fazendo em meu quarto?
– Estou simplesmente contemplando a morte do mundo. A morte desse seu mundo e o nascimento de um novo mundo.
– Você... Fingiu ser uma pessoa completamente diferente do que realmente era para a Charlotte! Não vou permitir...
Antes
que o garoto continuasse, um soco atingiu o lado direito do seu rosto. E
antes que pudesse se recuperar, o homem governante sobre todo o Tártaro
o pegou pelo pescoço e o levantou como se fosse um simples boneco.
Usara sua força divina. Estava completamente embriagado pelo poder de um
deus. O matara com um aperto. Não o deixara respirar. O homem mortal
não tinha chance contra um deus. A força era sua marca registrada. A
morte uma parceira para todos os lados. O Tártaro era seu domínio, seu
mundo. E sua personalidade não era diferente das pessoas que habitavam
ao que todos chamavam de “Nove círculos do inferno”.
– Adônis,
agora você será meu enviado. Será um duque – disse enquanto punha aquele
pobre rapaz em suas costas – Você será um duque da morte. Recrutará
pessoas, pois eu não confio em Thanatos. Eu confio em mim mesmo e nas
crias que eu faço dessa forma.
Caminhando para um dos grandes portais, ele simplesmente sorriu enquanto pronunciava suas últimas palavras.
– Sua primeira missão é atacar, humilhar e depois, matar Charlotte Wickery e trazer sua alma até minha presença.
E,
ao dar quatro horas em ponto, ninguém. Nem mesmo a alma mais forte das
pessoas saberia o que ocorrera naquela noite. E na seguinte... E na
seguinte...
Capítulo escrito por Vini Ribeiro
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