Ela sentou na poltrona do avião e olhou para fora. Odiava viagens
internacionais, mas amava a sensação de estar acima das nuvens,
totalmente distante da realidade. Havia algo muito íntimo em viajar de
avião, algo muito próximo a voltar para casa depois de anos longe.
Sempre pegava os voos mais longos, queria aproveitar o máximo possível.
Olhou
a tela do celular mais uma vez. Não havia nenhuma ligação e isso era
estranho. Erik sempre ligava para ela quando os dois discutiam. Ligava
milhares de vezes e a atormentava com mensagens de voz e de textos. Mas
não havia nada, nem sequer um maldito sinal de vida.
Nikoletta
suspirou, sentia-se culpada e com raiva. Não era comum eles discutirem,
ela sempre evitava as brigas dentro de casa, mas o que mais poderia ter
feito?
Não conseguia acreditar que ele tinha dado um tapa nela,
não podia aceitar. Tinha sido a esposa perfeita durante anos e era assim
que ele a tratava? Como uma maldita escrava? Não. Ela não toleraria uma
coisa assim, não sem bater o pé e vê-lo implorar para que ela voltasse,
não enquanto ele não ligasse para ela e jurasse que mudaria. Então ela
ficaria uma semana na casa dos pais, para torturá-lo um pouco, e
voltaria para casa. Para seu marido. Para a vida que estava consumindo o
tempo que ela tinha. A casa era grande e confortável, ela não tinha do
que reclamar. Vivia muito bem para uma assistente social que cuidava de
crianças órfãs e que foi criada em uma casa pequena. Ela mantinha tudo
sempre limpo e organizado demais, não gostava das coisas fora do seu
controle.
Porém era exatamente isso que sua vida estava se tornando.
Tinha
20 anos quando se casou. Conheceu Erik Sullivan em um almoço, ele era
advogado. Trabalhava para uma família que queria adotar uma menina,
porém houvera alguns problemas burocráticos...
Claro que por fim
tudo havia dado certo. Nikki tinha certeza que nunca mais veria Erik,
mas ele ligou para ela no dia seguinte e marcou um encontro. Levou um
ano e meio para se casarem. A família Sullivan era tradicional e muito
influente, queriam a esposa perfeita para o filho, alguém que pudesse
levar o nome da família a diante.
Nikoletta era grega, ela, a irmã
mais velha e os pais, haviam saído da Grécia quando ela era uma
garotinha e viveram nos Estados Unidos por muitos anos. Mas Nikki
mantivera sua cultura. Até mesmo o sotaque permanecia forte. Tinha muito
orgulho da sua origem.
Anna e Giorgos Benaki voltaram para a
Grécia fazia três anos. Nikki sentia muito a falta dos pais. Mas sentia
ainda mais a falta da irmã, que estava trabalhando como Médica em algum
país da África que ela não conseguia lembrar o nome.
Estava sozinha.
Erik
tinha sido um bom marido. Paciente, gentil, divertido. Porém nos
últimos anos o casamento tinha desandado. Estavam juntos há oito anos,
completariam nove daqui dois meses. Mas eram completos estranhos. Nos
dois primeiros anos havia sido fácil, simples demais. Ela sempre
esperava por ele com a comida feita e a roupa lavada. Faziam amor quase
todas as noites, e Erik sempre levava presentes para ela, mas então as
coisas ficaram cansativas. Um dia Nikki disse a ele que queria um filho.
Era o grande sonho da vida dela, ser mãe. Achava que dois anos de
casamento era o suficiente e que ela queria muito ter um bebê.
Mas
o marido falou que não. Ele não queria filhos, nunca quis. Disse que
estavam felizes assim, pra que colocar um filho nesse mundo? Não, ele
dissera, eu não quero. É só mais uma boca para alimentar, só mais um
problema para lidar. Não importa se você é a mulher, eu não quero filho
nenhum. Se você engravidar, eu fujo de casa e peço o divórcio. Erik
disse que nunca mais queria que ela tocasse nesse assunto, e depois de
meses discutindo, ela desistiu.
Os sorrisos se apagaram e o sexo,
que na opinião dela sempre fora sem sal, agora raramente acontecia. Ela
chegava cedo em casa, fazia questão de deitar-se sedo para não ter que
falar com o marido e durante a manhã trocavam somente algumas palavras.
Nikki estava se afogando no trabalho e Erik também.
No ano
anterior ela tentara de tudo para acender a relação. Fizeram terapia,
mas sempre que voltavam para casa depois da sessão, brigavam. Nikki
queria um filho, tinha até comprado lingeries novas e se vestido com
fantasias extravagantes, mas não adiantou de nada.
Então ela simplesmente desistira.
Vivia
com medo que ele a traísse. Com medo de que ele pedisse o divórcio.
Mesmo com tudo, não queria se separar. Ainda mantinha esperanças que ele
pudesse mudar, talvez, só talvez, Erik Sullivan percebesse o quanto
àquela decisão era idiota. Mas parte dela sabia que isso nunca
aconteceria.
Mergulhou fundo em uma tristeza amarga. Sempre havia
se considerado uma mulher bonita e sensual, mas agora duvidava. Será que
não era suficiente? Pensou em si mesma, a imagem da pele levemente
dourada, como se ela sempre estivesse em baixo do sol, dos cabelos
vermelhos como fogo ardente e dos olhos castanhos como avelãs, ela
parecia exatamente como era antes de se casar. Não, não exatamente,
agora as curvas do corpo estavam mais acentuadas. Graças à perda da
virgindade, Nikki tinha ganhado mais quadris e seus seios estavam mais
fartos. Maiores do que a média das mulheres gregas. As coxas também
estavam mais grossas, não de forma exagerada, mas a diferença era
nítida. Será que isso tinha descontentado Erik? O fato de que Nikoletta
não era mais tão magra quando antes?
Ela nunca acreditara no amor,
mas sim no respeito. E o marido não a respeitava mais. Não contou para a
mãe o que estava acontecendo. Não contou para ninguém além do terapeuta
de casais. Fingia que era a esposa perfeita nas reuniões de família,
representava muito bem seu papel e então voltava para casa, tomava um
banho e ia dormir se perguntando o que havia feito de si mesma.
Tinha
crescido em uma família muito bem estruturada. Talvez por isso ela
sempre buscasse a perfeição em tudo, principalmente em seu casamento. E
talvez por esse mesmo motivo não conseguisse aceitar as atitudes de
Erik, ele não era o marido que sempre desejou ter. Não eram como os pais
dela, unidos, felizes.
Nikoletta sentiu o coração apertar. Sempre
sentiu falta de algo em sua vida, algo que nunca conseguiu explicar.
Pensou que era alguém do seu lado, mas depois de casada as coisas só
pioraram. Talvez fosse a necessidade de ter um filho, mas esse
sentimento sempre a tinha perturbado, antes mesmo de pensar em casamento
e homens.
Céus, o que estava fazendo? Não conseguia mais
encontrar o homem com quem tinha se casado, o gentil e romântico Erik
que tinha levado rosas em seu segundo encontro. Que tinha segurado a mão
dela no dia que se casaram, que tinha perguntando baixinho, logo depois
de terem feito amor, se ele a tinha machucado. Esse mesmo homem
praticamente a tinha estuprado na noite anterior, exigindo o que ela não
podia dar.
Nikoletta sentiu vontade de chorar enquanto as
lembranças voltavam sem que ela pudesse impedir. Fechou os olhos e pode
ouvir o som que a cama fazia enquanto ele se aproximava, cheirando a
bebida. Então sentiu um par de mãos frias puxá-la devagar.
– O que está fazendo? - a voz dela pareceu fria e cruel. Erik se enrijeceu, com raiva.
– Estou tocando minha mulher – respondeu ele de supetão, a voz irritada – O que mais estaria fazendo?
– Pois não quero que me toque. Estou cansada e quero dormir.
– Você sempre está cansada, Lette.
Nikki serrou os dentes. Odiava quando a chamavam assim. Odiava que ele a chamasse assim.
– Não comece, Erik.
– Não comece o que, Lette?
– Isso – disse com raiva – não me chame assim. Merda, me deixe.
Ele
não a largou. Do contrário, os dedos finos desceram a abertura da
roupa, tocando a pele quente da barriga. Nikoletta tentou se afastar,
mas ele segurou-a com força no lugar. Deixou que a tocasse, pensou que
se ele brincasse um pouco, talvez a deixasse em paz. Ela esperou que
Erik a beijasse, mas não aconteceu. Fazia muito tempo que ele não fazia
mais isso, muito tempo desde que foi beijada pela última vez.
Do contrário, ele apertou o corpo contra o dela.
Montou
por cima de Nikoletta e explorou o corpo com as mãos, a boca. Quando
ele começou a tirar-lhe a roupa, ela protestou mais uma vez, mas foi
vencida pela insistência do marido. Não usava nada por baixo da
camisola. Nem calcinha ou sutiã. Achava muito incômodo usar tais coisas
enquanto dormia. Na verdade, odiava usá-las em qualquer momento. Porém
sabia que não era correto ficar sem nada.
Erik estava excitado quando tirou a roupa, ela não.
Doeu
quando ele a penetrou, cavalgando como um cavalo enquanto Nikki sentia
uma tristeza profunda. Chorou quando ele deitou, exausto, ao seu lado.
Ela, porém, virou o corpo para o outro lado e chorou ainda mais.
Quando
acordou, ainda era muito cedo. O sol não havia nascido e a casa estava
escura e fria. Ela se levantou da cama, olhando para o marido e para si
mesma. Estava cansada. Nunca mais queria ser tocada outra vez. Nunca
mais permitiria que um homem a machucasse daquela forma. Sentia uma leve
pontada na região íntima, ela se surpreendia que Erik não percebesse
que ela não estava pronta para o sexo. Talvez nunca mais estivesse.
Já que ele não queria filhos, talvez o destino a tivesse deixado estéril.
Começou a chorar outra vez.
Sem
perceber, com a visão turva pelas lágrimas e pela escuridão do quarto,
Nikki recuou. Raiva borbulhava de seu interior enquanto ela dava um
passo de cada vez, indo em direção a uma prateleira cheia de objetos
dela. Sentiu as costas batendo contra o móvel, as mãos encontraram um
objeto frio e liso. Ela reconheceu o que era, a pequena estátua em forma
de deusa que havia ganhado de sua mãe pouco antes de se casar.
Que
a deusa do matrimonio a proteja, querida. Ela abençoará sua casa e te
fará fértil para construir sua própria família. Lembre-se de quem você
é. De onde você veio. Os deuses nunca se esquecem dos seus filhos...
Quem ela era?
Quem Nikoletta Benaki era?
Ninguém.
Nunca soube encontrar uma resposta, nunca conseguiu se sentir
verdadeiramente alguém. Sempre perdida, não importando para onde fosse,
sempre estranha, sempre vazia. Mesmo quando todos a olhavam com
admiração por seu trabalho, por sua calma, por sua paciência. Era sempre
tão perfeccionista. Sempre tão detalhista em tudo que fazia. Cuidando
de tudo e todos quando na verdade era ela quem deveria ser cuidada...
Segurou
a estátua e jogou-a contra a parede. O barulho alto do mármore se
quebrando assustou Erik, que acordou com um pulo. Era difícil lembrar
tudo que tinha acontecido depois daquilo, parecia que a mente de Nikki
estava coberta por uma névoa branca, imagens dela gritando e jogando
inúmeros objetos no marido, enquanto ele gritava de volta, insano, os
olhos brilhando de raiva e medo.
Era como se não fosse ela, como
se um filme passasse dentro de sua cabeça e ela fosse uma espectadora,
não a protagonista. Nem sequer lembrou da dor que a mão de Erik provocou
em seu rosto, quando ele a esbofeteou com força, fazendo-a recuar
contra a parede.
Só lembrava de segurar a mala e entrar dentro do taxi, indo em direção ao aeroporto.
Nikki estava tão presa em seus pensamentos que não notou a figura que tinha se ocupado a poltrona ao lado da dela chegar.
Ele estava incomodado; não conseguira o assento da janela. O ar era sua primeira casa. Agora mais do que nunca.
Num
dia, um simples humano rico com problemas com o pai, sem compromisso
com nada. No outro, um deus grego. E não apenas "um" deus grego, mas "o"
deus dos deuses. Zeus, Senhor do Trovão!
Uma dor aguda gritou sob sua grossa e rosada cicatriz; uma lembrança constante do quão idiota ele era.
Ao
massagear a têmpora, virou levemente a cabeça para o lado, estudando a
mulher que tomara o lugar que era de seu profundo desejo. Sentia-se
quase claustrofóbico naquele banco do corredor.
A mulher estava
acordada, mas distante, muito distante. Tão imersa em devaneios que não
percebeu que Roman a encarava diretamente. Aqueles cabelos... Os
olhos... A ingenuidade estampada em seu frágil rosto, misturada a uma
ferocidade contida.
Roman levantou discretamente a manga do braço
esquerdo, revelando a tatuagem de uma mulher bela, porém, tímida a seu
ver. Aquele rosto tênue estampado entre o açoite dos raios naquela noite
infeliz. Era ela! Eram idênticas!
Ele virou seu olhar para a
mulher outra vez. Mesmos olhos, mesmos cabelos ruivos e curtos, mesma
expressão. Quais as chances daquilo acontecer?
Um arrepio fez
Nikki virar o rosto e encarar a figura que se sentara ao seu lado. Os
olhos cor de chocolate fixaram-se em poças de um tom acinzentado muito
profundo e assustador. Uma sensação muito forte percorreu seu corpo,
sentiu medo, insegurança e também desejo. Quem diria. Havia algo naquele
desconhecido que rompia com tudo o que ela acreditava, algo que a fazia
sentir-se envergonhada.
– Você não deveria encarar os outros
assim - disse ela de forma brusca, desviando os olhos para o manual de
segurança da aeronave - Não sei se sabes, mas é falta de educação.
Roman sustentou seu olhar confuso, porém, acusador.
Então apertou as pálpebras.
– Qual é o seu nome? - Perguntou, com a voz áspera.
– Desculpe, mas você está sendo muito impertinente.
–
Não se faça de boba - sussurrou Roman, bruscamente. - Conheço esse seu
olhar carregado de pureza. Sei o que esconde por trás disso. Eu vi! As
luzes... Elas me revelaram! - Seu tom era baixo, porém, duro como uma
rocha.
"Estúpido! O que você está fazendo?!" advertiu-se. Ela era a
única pessoa que podia confirmar sua visão. E a bebida estava
estragando tudo; mais uma vez, como um tumor em sua vida.
– Como? Desculpe meu caro, mas não estou compreendendo você. Nunca te vi antes.
– Viu! Não sei o que você fez e não sei "porque" você fez. Mas você está metida nisso. Eu te vi!
"Idiota,
cabeça dura!" ele bradava dentro de sua própria mente. Era como se a
bebida fosse um demônio em posse de seu corpo.As pessoas temem o que
desconhecem. Seu desespero é tão grande a ponto de desafiar alguém
completamente estranho. Não há limites para a insanidade.
– Se não
parar de agir como um louco, eu vou chamar a aeromoça e pedir que se
retire de perto de mim! - esbravejou ela - Não vou aturar um maluco
bêbado do meu lado, pode apostar!
"Não... Não pode ser... Eu a vi!" insistiu em seu recanto insano. "As luzes... Elas revelaram! Ela era... Não... Por quê?"
Roman
fitou a janela, à procura de algo. O que? Uma resposta? Não...
Conforto... Sim... Uma calmaria invadiu seu coração ao imaginar o vento
açoitando as asas do avião, os pássaros cortando o céu graciosamente, os
campos verdejantes, prometendo uma colheita abastada.
“Ela não sabe. Ela... Ela deve estar na mesma situação que eu após os raios... Sim..."
Foi
então que ele percebeu que ela o encarava, esperando algum tipo de
resposta. Que louco ele parecera! Gritando com ela, bêbado e então
espairecendo subitamente, fitando a paisagem e imergindo em devaneios.
"Estou na beiro do abismo insano. Um passo e estou perdido" disse para si mesmo. Era uma frase constante em sua vida.
– Não... Não precisa chamar ninguém - respondeu incerto. - Eu só... Desculpe-me, ok? Eu... Exaltei-me um pouco e...
– Um pouco?!
Roman
abriu um sorriso esbelto, que contrastava tanto com sua aparência ébria
que era algo inteiramente surreal. Fazia tempo que não sorria assim.
– É verdade, eu exagerei bastante. Permita-me compensá-la por isso, senhorita...
–
Nikoletta - Ela não conseguiu conter o sorriso, aquele homem parecia um
grande imã, como se cada gesto dele controlasse os dela em resposta -
mas pode me chamar de Nikki.
Ela olhou para ele, mas desta vez
olhou de outra forma. Notou que além dos olhos misteriosos, os cabelos
dele eram brancos e não loiros como supôs antes. E havia uma cicatriz no
lado direito do rosto, não que isso fosse algo ruim, mas dava uma
sensação de perigo e sensualidade ao rosto anguloso.
– Hum...
Nikoletta... - Roman saboreou o nome por meio segundo antes de
prosseguir. - Um nome lindo. Diferente. - Roman acenou para a aeromoça. -
Um suco de... O que você prefere, Nikki? - Ele repetiu seu apelido
apenas para senti-lo vibrar em seus lábios. Ela era "mais" do que apenas
a mulher daquela visão.
– Não, obrigada - um leve rubor coloriu as bochechas dela- Você não me disse seu nome.
–
Deuses! - Proferiu, com um sorriso dançando entre seus lábios. - Ah, eu
vou querer um suco de caju, por gentileza - respondeu à aeromoça,
dispensando-a. Então tornou a encarar aquela floresta que residia no
olhar da ruiva. - Roman. Roman Daniels - disse, estendendo a mão para
ela.
– Prazer. - o toque das mãos gerou uma corrente elétrica que
cruzou o corpo de Nikki, fazendo-a se arrepiar. Ela sentiu um calor
subir pelas faces, a pele macia parecia murmuras para ela palavras de
conforto, promessas de coisas que ela nunca se imaginou sentir. Afastou a
mão com rapidez. O que diabos aquele homem tinha que estava fazendo a
cabeça e o corpo dela saírem do controle e da razão? - Roman, tenho a
sensação que o conheço de algum lugar... Não, não, desculpe. Acho que me
lembraria do seu rosto. Você não é advogado, é?
– Hum...
Definitivamente não. Desafio a acertar o que eu faço. - Seu olhar
estudava cautelosamente qualquer mudança no rosto daquela bela mulher.
Aqueles curtos cabelos tão rubros quanto sangue, aqueles olhos
penetrantes, mas evasivos, aquela expressão frágil, como se tocar nela a
quebrasse. Tudo contribuía para a imersão num mundo perigoso, muitas
vezes mortal.
A aeromoça voltou e Roman nem se deu conta de tal.
–
Senhor - ela precisou chamar. Foi de uma dificuldade extrema desviar o
olhar de Nikki. - Aqui está o seu suco - a mulher disse, após Roman
finalmente se virar para ela.
Ele pegou o copo descartável, deu um longo gole e voltou a encarar a ruiva.
– Você costuma encarar as pessoas assim, Roman?
–
Normalmente, não. Eu gosto de apreciar as belezas que o universo nos
impõe - disse, sorrindo. Era impossível dizer que esse mesmo homem
estava bêbado momentos antes e a acusava de algo completamente insano!
"Estou na beira do abismo insano. Um passo e estou perdido" repetiu para si.
– Vamos, adivinhe, o que eu faço? - Insistiu, estudando o contorno daqueles lábios tão convidativos quanto a pétala de uma rosa.
– Ahn - ela sentiu-se envergonhada - Não sei. Médico? Bombeiro? Policial? Halterofilista?
– Halterofilista - Ele repetiu confuso. - O que um halterofilista faz, senhorita? E você errou.
–
Ahn, você sabe. Exibem o corpo, os músculos... - Nikki começava a
ganhar tons mais fortes do que o vermelho agora - Não sei se notou,
senhor, mas seu braço tem a circunferência da minha cintura. Pra que se
preocupar tanto com a aparência? Enfim, não faço ideia.
Ela sorriu - Diga-me, o que faz? Fica encarando mulheres em aviões e roubando a virgindade de damas indefesas?
–
Não acho que você seja tão indefesa assim. - Roman tomou mais um gole
do suco. Gelado e doce. Perfeito. Ele estendeu o copo para ela,
interrogando-a com os olhos.
– E nem virgem, se me permite acrescentar. Muito longe disso - ela aceitou o copo de bebeu sem tirar os olhos dele.
–
Então suponho que não seja tão ingênua quanto os seus olhos transmitem.
Experiente, bela e perigosa. O que é você, uma deusa? Grega ainda devo
acrescentar. - Seu sorriso abriu-se largamente. Os olhos cinzentos
cintilaram, à espera. As cartas foram lançadas. Ela sabia ou não sabia o
que estava acontecendo?
Deusa. As palavras dançaram em sua mente, quase como se fosse uma verdade não revelada.
–
Grega, sim. Nikoletta Benaki é de origem grega. Estou voltando para
casa - graças ao meu marido idiota, pensou - Não faça elogios à toa,
Roman. Eu não estou disponível para você. - infelizmente, quase
acrescentou.
Ele percorreu as ondas sangrentas daquele mar calmo que a coroava.
"Uma coroa para uma rainha" pensou.
–
Não está disponível, você diz. Hum... - Ele a encarou nos olhos outra
vez. A sugestão de um sorriso brotou em seus lábios. - Não vejo uma
aliança.
– Eu... - ela tinha se esquecido de que praticamente
jogara a aliança dentro da gaveta. Nikki quis que ele soubesse o quanto
ela estava brava, mas não deveria ter deixado à aliança em casa - Eu e
meu marido estamos brigados. Estou voltando para casa para dar um tempo.
Nós discutimos muito por que... Esqueça. - Olhou para a mão, a marca do
anel dourado estava ali - Mas ainda sou casada.
Roman vacilou por meio segundo. Mas tornou a sustentar a confiança. Investiu outra vez.
–
Diga... O que aconteceu? Ouvi dizer que é importante falar. Ajuda a
espairecer. Casamentos são complicados. Não deveriam ser tratados com a
banalidade de hoje em dia. Há uma solução para você e seu marido. - A
palavra "marido" pesou em sua boca, amarga. - Sempre há. Vamos... Ponha
tudo para fora, Nikki. - Ele repetiu seu apelido como que em desafio.
Uma afronta à intimidade súbita.
– Erik é... amargo. Nós casamos
há oito anos, eu era jovem e tola e ele era um homem de família rica e
influente. Eu queria um bebê e ele disse que se eu aparecesse grávida,
sumiria. O homem que me casei era uma farsa, até mesmo na cama. Faz mais
de um ano que nem sequer mantemos uma conversa por mais de 30 minutos -
Nikoletta suspirou pesadamente. Parte dela achava loucura contar essas
coisas para um estranho, mas havia uma parte que não ligava. Era quase
impossível negar algo para aquele homem - Saí de casa porque me sentia
sufocada. Infeliz e insatisfeita.
Quanto mais ela falava, mas o
Roman da vida real se esvaía. Sua mente vagava para outro lugar. Um
mundo compartilhado só por eles dois.
– Ele não te merece. Ele não
merece encarar esses olhos castanhos, como a hera que sobe pelos muros
das casas, toda manhã. Ele não merece tocar nesses cabelos de fogo. Ele
não merece essa sua complexidade misteriosa. E eu sei que você sabe
disso. Diga-me... Você nunca sentiu que seu lugar não era ali, nem com
ele nem fazendo o que você faz no trabalho? Você nunca se sentiu...
Deslocada? Nunca sentiu uma expectativa? Uma sensação de que algo estava
para acontecer e então, de repente, nada... Nunca?
Claro que ela
se sentira assim, diversas vezes. Quando era pequena e olhava os pais e a
irmã mais velha, tão diferentes dela, completamente distantes dessa
sensação de estar longe de casa. Mesmo na escola, quando foi eleita a
rainha do baile de formatura, quando se casou e fez sexo pela primeira
vez. Ela sempre acreditou que esse vazio seria preenchido por alguma
coisa, mas sempre que alcançava, a sensação apenas crescia. Nikki olhou
para as próprias mãos. Como um estranho podia entender o que nem ela
entendia? Não era mais uma adolescente, não deveria mais sentir-se
assim, mas sentia. E cada dia que acordava, rodeada de uma vida infeliz e
em uma casa que não era sua, em um mundo que não parecia ser dela,
sentia tristeza. Sentia medo, dor.
– Como você sabe? - perguntou
ela. Desta vez olhou fixamente para Roman, os olhos intensos dele, tão
cheios de mistério, expectativas, promessas... Ela sentiu como se sempre
o conhecesse, como se soubesse que somente ele entenderia. Olhou para o
rosto, o contorno dos lábios, e um pensamento nada inocente passou pela
cabeça dela - Como...?
Aqueles lábios... Ele não deu atenção pro
que ela disse. Não deu atenção à aeromoça que oferecia algo que
provavelmente ele recusaria educadamente. Não deu atenção ao mundo que
acelerava através da janela. Apenas lábios. Macios? Não sabia. Só havia
uma maneira de descobrir.
E quando avançou vagarosamente,
saboreando aquele instante tanto quanto podia, percebeu que pela
primeira vez estava fazendo algo que saciasse aquela expectativa
indomável que fervia em seu coração.
Ainda conseguiu murmurar um
"não sei" antes de seus lábios tocarem os dela como uma onda alcança a
praia: suavemente, porém, não desprovida de fervor, quente,
aconchegante. Sua mão viajou até a bochecha de Nikki e afagou-lhe o
rosto, seus dedos vagaram pelo pescoço sedoso e convidativo e penetraram
nas chamas que eram aqueles cabelos sangrentos. Sua mão a prendia pela
nuca enquanto seus lábios faziam o resto do trabalho.
Sentia-se como... Como um deus.
O
coração da mulher saltou em seu peito. Correntes elétricas percorrendo
cada parte do corpo dela como se tivesse sido atingida por um raio. Não
pensou, era incapaz de pensar estando tão próxima dele, tão
tentadoramente próxima. A pele parecia derreter sobre o toque das mãos
firmes, os dedos longos deslizando pelo rosto corado, depois pelo
pescoço... Fechou os olhos, os lábios dele eram quentes, deliciosos e
habilidosos. Ela, que sempre se orgulhou de manter o controle das
situações, mal podia se lembrar de como respirava. Estava agindo como
uma tola, uma completa idiota e inconsequente, mas ao mesmo tempo se
importar com algo que não fosse aquela boca parecia impossível. Por um
segundo lembrou-se do marido. Erik nunca a beijava assim, sempre era
distante, sempre evitando tocá-la com as mãos. Ela sempre sentiu que
parecia errado ser beijada, tinha fugido disso nos últimos anos... Fazia
o quê? Dois anos? Três? Não se lembrava mais de quando um homem a tinha
tocado com tanto cuidado e devoção. Estava extasiada. Nikki queria
tocá-lo, que os deuses a perdoasse, mas não podia evitar. Passou as mãos
pelos cabelos brancos e puxou o rosto de Roman o mais perto possível,
mesmo enquanto o beijava parecia distante demais...
Céus, ela estava enlouquecendo. Afastou-se dele.
– Não - sentiu vontade de chorar - Isso não está certo - mas não era isso que seu corpo dizia.
Roman recuou na poltrona. A aeromoça havia partido, constrangida provavelmente.
–
Desculpe... Eu... - Ele mais uma vez virou seus olhos para os dela. -
Bem... Não vou dizer que não devia, pois acho que o que nos faz feliz
nunca deverá ser tido como errado, mas... Desculpe. - Dito isso, se
levantou e caminhou, confuso, até o banheiro.
Nikki sentiu vontade de chorar. Que diabos, ela estava fazendo o que era certo, não estava?
Fechou
os olhos e acomodou-se na poltrona. Antes que ele voltasse, ela acabou
dormindo. Perdida em sua mente, sonhou com um homem de cabelos brancos e
olhos acinzentados, que segurava raios nas mãos e comandava o céu.
Roman
apanhou um pouco da água da torneira com as mãos em concha e lavou o
rosto. Os tênues fios brancos foram atingidos levemente, caindo sobre
seus olhos.
"É ela... Ela é... Quais as chances disso acontecer?" pensou, enquanto saía do banheiro, decidido a confrontá-la.
–
Acho que eu sei exat... - Não completou a frase. Nikki dormia como um
anjo. Ele não ousou fazer nenhum barulho. Como ela era bela ali,
dormindo, tão frágil... Tão... deslumbrante!
E assim foi durante toda a viagem: ela dormiu, ele a observou.
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Primeiro
ela sonhou com um homem sentado em um trono de mármore branco. Este
homem segurava um raio enorme, com fios dourados e energia pura correndo
pela mão e o corpo, uma corrente de eletricidade que deixava o ambiente
pesado.
Então ela sonhou com vacas.
As criaturas enormes
pastavam ao redor dela, enquanto uma versão de Nikoletta vestia uma
túnica branca e segurava uma fruta que ela reconheceu na hora. Uma romã.
Não sabia dizer como reconhecia algo que nunca tinha visto. Mas sabia.
Assim como sabia que estava sonhando.
Depois a cena mudou e ela
estava gritando. Havia um homem na frente dela, deitado em uma enorme
cama e com braços e pernas em volta de uma mulher de cabelos castanhos.
Nikki sentiu raiva, dor. Gritava coisas que não entendia e chorava.
Foi com esse sonho que ela acordou, horas depois.
O
avião estava pousando e ela, com a cara amarrotada do sono, tentava
lembrar de onde estava. As cenas ainda preenchiam a mente mortal e
Nikoletta sentiu algo estranho, uma dor que surgia enquanto as imagens
se apagavam.
– Senhorita - sussurrou Roman ao pé do ouvido de Nikki. - Acorda, senhorita. chegamos.
Nikki acordou aos poucos, fitando os olhos de Roman, a cor cinzenta dos olhos dele trouxe uma sensação de reconhecimento.
– Uhn? - perguntou ela enquanto esfregava os olhos.
– Chegamos, Nikki - repetiu, enquanto se levantava.
Roman ajudou-a a se erguer e se pôr no corredor, acenando para que ela passasse.
Os
dois saíram do avião e foram buscar as malas. Nikoletta trouxera
somente uma mala média, com o básico, pois sabia que suas antigas coisas
ainda estavam no quarto que seus pais separaram para ela. Pensou em
pegar suas coisas e sumir antes que ele tivesse tempo de falar com ela,
mas a mala de Nikki foi umas das últimas a aparecer na esteira.
– Droga - murmurou ao ver que Roman a esperava próximo a saída.
Ele
não carregava nada. Não gostava de levar malas por aí, e como dinheiro
era o que não lhe faltava, decidiu que compraria as roupas na Grécia
mesmo. Entre outras coisas que precisasse.
– A luz do sol faz seus
cabelos inflamarem-se mais ainda. - Ele respirou fundo, olhou em volta e
tornou a direcionar sua visão para ela. - Um belo dia para uma
caminhada por aí - disse, lançando uma indireta quase direta.
– Uhn, acho que não - disse enquanto pegava o celular e começava a ligar para casa.
O telefone tocou 6 vezes e caiu na caixa postal. Ela tornou a ligar mais algumas vezes, porém ninguém atendia.
– Droga. - ela teria que esperar até alguém atender, caso contrário não entraria em casa.
– Problemas? - Daniels perguntou, sem olhar para ela. Estava à procura de um táxi.
– Não posso ir pra casa. Ninguém atende. Vou ter que ficar esperando aqui no aeroporto.
–
Hum... Aqui? Com o risco de algum traficante de mulheres bonitas te
pegar? Nunca. - Roman acenou para um táxi, abriu a porta e estendeu os
braços para ajudá-la a entrar no carro. - Vamos. Vou te levar pra um
lugar que você nunca vai esquecer. Eu diria que é quase um... Paraíso -
disse, enquanto esperava ela pegar sua mão e entrar no táxi. O sorriso
estava ali, como sempre.
Ela olhou para o aeroporto e em seguida
para Roman. Sabia que não deveria... - Não tente nenhuma gracinha -
disse aceitando a mão dele. Entrou no taxi com uma sensação estranha no
peito. Como se algo muito importante fosse acontecer. E mudar a vida
dela para sempre.
– Não é como se eu fosse um traficante de
mulheres bonitas - respondeu, sorrindo maliciosamente, enquanto entrava
no carro e se sentava ao seu lado, quase encostando-se nela. - Fala
inglês, meu caro? - Perguntou, chegando um pouco para frente para falar
com o taxista. O motorista assentiu. - Ótimo! Vamos para Plaka, hotel
Royal Olimpic, por gentileza. - Então se recostou no banco e ficou a
observar através da janela, imerso num mundo só dele.
– Você não
me disse que íamos para o seu hotel - Nikki não olhava para ele, apenas
fitava a janela enquanto a cidade que ela nascera passava diante dos
seus olhos. Fazia muitos anos desde que tinha saído dali. Sua terra, seu
povo, a cultura que ela tinha guardado como um tesouro. Até mesmo o
sotaque tinha sido mantido, uma eterna e constante lembrança do seu
sangue Grego - Pensei que estávamos indo tomar um café.
– Eu disse que íamos ao paraíso, Nikoletta - disse, sorrindo e a encarando. - Você não parece muito desapontada - observou.
E
estava? Sabia que deveria, mas ela simplesmente não se sentia assim -
Não precisava perguntar se ele falava inglês. Eu sou grega, se ainda não
notou o sotaque forte.
Roman olhou fundo nos olhos de Nikki.
– Com certeza você é... Uma deusa grega.
Seus dedos correram pelos sedosos cabelos brancos e então afastou uma mecha de fios rubros do rosto de Nikoletta.
– Seus olhos me prenderam mais do que o seu sotaque. E eu não sou bom com essas coisas.
– É bom em flertar com mulheres casadas? - disse ela enquanto um leve rubor cobria-lhe as faces - Que hotel está hospedado?
– Não sei... Me diz você - ele respondeu ignorando a segunda pergunta.
Nikki sorriu, mas não respondeu - Quero saber para onde está me levando. Como vou saber que você não é um maníaco assassino?
Ele riu; um curto e abafado som que fez sua mente espairecer ainda mais. Deuses!, que presença aquela mulher tinha!
– Já disse, você está indo na direção do paraíso.
–
Essa palavra me remete muitas coisas, e não tenho a intenção de
associar alguma delas a você. Não sou o tipo de mulher que você está
acostumado. Eu não vou me jogar aos seus pés, Roman. Não sou seu
brinquedo.
– Tenho certeza que você está errada. Até onde posso
supor, tanto eu como você somos um brinquedo de algo grande, que eu não
sei se estou preparado para enfrentar. Quanto ao paraíso... Bem... É
algo mais literal que o que você está pensando. - Roman sorriu
largamente. - Acho que quem está pensando em... - ele pigarreou. - Você
sabe... É você.
– Sexo? - perguntou ela enquanto encara os olhos
dele de forma nem um pouco retraída - Não é isso que vive sempre na
cabeça dos homens? Poupe-me, já disse, não sou inocente.
– Acho
que você está se contradizendo. Quem está pensando em... - Roman indicou
o taxista, sinalizando para não falarem assim na frente de um estranho.
- Isso aí, é você. De inocente eu sei que não há nada em ti. Consigo
ver em seus olhos o quão feroz você pode ser...
Nikoletta murmurou uma frase em grego para o homem ao volante. Ele resmungou algo em troca, mas foi ignorado.
– Ele não ouviu nada, não se preocupe - sorriu - Claro que estou pensando nisso, porque não pensaria? Sou casada, lembra-se?
– Lembro-me a cada segundo que passa - devolveu, com pesar.
– Fico feliz com isso - o carro parou - acho que chegamos.
Roman
saiu do taxi e foi logo seguido pela mulher ruiva. Ele pediu que ela o
esperasse enquanto fazia o check in. Não demorou muito e logo Roman
apareceu outra vez.
– É aqui? Cada quarto nesse hotel custa uma fortuna!
–
Digamos que dinheiro não seja um problema, senhorita. Vamos. - Roman
indicou o caminho até o quarto: elevador, corredor luxuoso, com cada
centímetro parecendo caro demais, porta. Quarto 505.
Nikoletta
seguiu Roman em silêncio. Sem pensar. Ficou encantada com a construção, o
tapete, as pinturas na parede de mármore. Havia estátuas de deuses
gregos espelhados por todos os cantos, desde os menores até os
principais. Sentiu-se livre, em casa. Finalmente podia ser ela mesma.
Então
Roman parou, de frente para uma porta com o número 505 no topo. Ele
passou o cartão e houve um bip, então a porta abriu. Roman entrou sem
rodeios, mas Nikoletta não se moveu. Ficou olhando para o quarto e para o
homem a sua frente. Um homem estranho e ao mesmo tempo tão íntimo.
– A-acho melhor eu ir e-embora - gaguejou ela.
Roman abriu um meio sorriso e fixou seus olhos cinzentos nos dela.
– Com esse tempo? - Perguntou.
Ela
olhou para fora, uma tempestade se aproximava rapidamente - Eu não
deveria estar aqui - disse antes de se virar e correr o mais longe que
podia. O mais longe possível daquele homem.
Roman correu atrás dela, mas não tão rápido. Deixou que ela alcançasse a porta do hotel. Aí chamou:
– Nikoletta!
Um estrondo ensurdecedor fez tremer o mundo por um breve segundo.
A
voz dele obrigou o corpo dela a parar. Estava chegando à calçada quando
o ouviu. Havia algo muito conhecido naquela voz, algo que tornava tudo
aquilo ainda mais estranho e misterioso. Ela olhou ao redor, como se
esperasse que algo, ou alguém, a salvasse.
– ME DEIXE- gritou ela - Por favor...
–
Hey... - Chamou, abaixando a voz. - Não quero fazer mal a você,
Nikki... - Um raio partiu o céu ferozmente. - Eu... Só quero te
proteger, vem, vamos conversar melhor, mais calmos. Você me seguiu até
lá em cima. Podia ter ido embora quando saltamos do táxi... Você tem
dúvidas sobre isso. Quer tanto ir embora como quer ficar. Vejo em seus
olhos... E sei que você também vê isso nos meus.
– Não - ela
sacudiu a cabeça, muito confusa e assustada - Não faça isso... Não
posso, é um erro. Você é um erro. Meu marido... - Um marido que a fazia
infeliz. Ela sentiu vontade de chorar - Se eu ir com você, nunca mais
aceitarei minha vida. Nunca mais tocarei meu marido sem lembrar...
Roman
deu um passo incerto em sua direção, sempre a envolvendo com o olhar.
Seus olhos eram o céu naquele momento, cinzentos, tempestuosos. Ele
estendeu a mão para Nikki e afagou-lhe a bochecha levemente. Qualquer
movimento brusco e perderia-a para sempre.
Seus dedos deslizaram
pela sua pele macia, percorrendo o caminho entre o pescoço e a nuca. Se
aproximou mais, colando seu corpo com o dela, quase sem conseguir se
conter. Sentiu que ela lutava para aceitar o contato.
"Deuses, ela
herdou todas as características dela..." pensou, embalando-a em um
abraço quente em meio à forte ventania que rebelava seus alvos e ruivos
cabelos.
Recuou levemente a cabeça e a fitou, severo, porém, deslumbrado.
–
Porque se prende ao seu marido dessa forma? Precisamos ser felizes.
Todos nós precisamos! É uma necessidade básica do ser humano. Ele não te
faz feliz; é um tolo que não tem ideia do que tinha em mãos. Eu não sou
tão estúpido assim. Sei o quanto você pode ser feroz, o quanto pode ser
delicada e o quanto pode ser... Maravilhosa! Conheço você mais do que
conheço a mim. Os olhos são a porta da alma. Não posso olhar diretamente
dentro dos meus para ver o que há e nem sei se gostaria. Mas posso ver
os seus. Confusos, sim, mas poderosamente sedutores! - Roman aproximou
sua boca do ouvido de Nikolleta e sussurrou: - Deixe-me lhe mostrar o
quanto eu posso te fazer feliz, o quanto eu posso te satisfazer, o
quanto eu posso te amar! Deixe-me lhe mostrar coisas inimagináveis!
Prometo lhe levar ao paraíso, minha deusa grega. - Seus lábios roçaram
nos ouvidos da ruiva. - Deixe-me beijá-la com o ardor que ferve em mim.
Deixe-me tocá-la como sei que seu marido nunca a tocou. - Daniels
mordiscou sua orelha levemente, com os lábios, desceu pelo pescoço e
recuou, encarando-a nos olhos. - Olhe. - Roman Daniels apontou para o
céu, onde um raio descia à toda velocidade, quando, subitamente,
partiu-se em milhões de tentáculos rebeldes, numa dança tão espetacular
quanto uma aurora boreal. Roman pôs o dedo no queixo de Nikki e a puxou
de volta, suavemente. - Deixe-me... - E ela deixou.
Roman fez
questão de segurar a mão de Nikoletta. Não queria dar brechas para que
ela fugisse outra vez. Não agora que estava tão perto e tão acessível...
Conduziu-a
pelo corredor do hotel luxuoso. Ambos em silêncio até chegar ao quarto,
ambos ansiosos. Nikki não conseguia encontrar as palavras, porque se
conseguisse, teria dito a ele o quanto aquilo estava errado, hediondo, e
todos os motivos que ela tinha para ir embora sem olhar para trás. Mas
não conseguia, não abriu a boca sequer uma vez até que chegaram à porta
505 outra vez. O corpo travou e ela só soube ficar olhando para frente,
em total e completo silêncio.
Roman não pensou uma segunda vez
quando notou que ela estava travando exatamente como antes. Armando-se
para ir embora, longe demais dos braços dele para que pudesse aceitar.
Aproveitou
o olhar distraído e segurou-a pelos braços. Procurou a boca rosada e
tratou de fazer com que ela não pudesse pensar, não pudesse mais fugir.
O
trovejar de um monstro ecoou pelo mundo, invadindo o quarto pela
sacada. Os raios constantes iluminavam o recinto, enquanto as lâmpadas,
desligadas, tentavam, em vão, ocultar os dois corpos que, sôfregos, se
entregavam ao prazer.
O desejo carnal acorrentara-os e os açoitava
ferozmente. Sob a luz de um súbito raio, as mãos de Roman deslizaram
graciosamente pela coluna de Nikki, alcançando seus ombros e
apertando-os enquanto a mulher tentava se contorcer de prazer com o
membro de seu amante a preenchendo inteiramente, duro como uma rocha, ao
passo que os lábios de baixo da ruiva umedeciam mais a cada estocada, a
cada sussurro, a cada beijo no pescoço, a cada puxão em sua emaranhada
coroa de sangue; fios tão sedosos quanto uma pluma.
Seus gemidos competiam com o som de suas nádegas batendo contra a virilha de Roman, de forma feroz e harmoniosa.
Enquanto
ele a penetrava com força e arfava de prazer, ela lançava seu corpo
para trás, ansiando cada vez mais por aquele homem; se é que se possa
classificá-lo como tal. Ele fazia arte com as suas mãos, deslizando aqui
e ali, desferindo fortes tapas em seus glúteos, apertando seus cabelos
entre os dedos, emoldurando seus seios fartos, coroados com mamilos
rosados e salpicados de sardas.
Então Roman agarrou-a pelas ancas e
suspirou, enquanto ela revirava seus olhos cor de mel. Os músculos do
homem se retesavam, suas estocadas aceleraram, Nikki perdera todo o
pudor e gemia, agarrava o lençol com força e gritava, pedindo por mais,
batendo na cama, tão empinada quanto conseguia.
– Mais! Me dê mais! - Ela trovejou. - Acabe comigo! Faça-me sua, totalmente sua...
Roman
a agarrou pelas costelas e a preencheu como nunca fizera com ninguém.
Nikki jamais havia sido possuída daquela maneira. Aquele homem... Céus,
estava enlouquecendo.
Ele se curvou sobre ela, sua respiração incerta ricocheteando na nuca da mulher, causando arrepios por todo seu corpo delicado.
De súbito, Nikoletta agarrou Roman, ainda de costas para ele, e gritou - deuses, como ela gritou!
Em
sua boca, o gosto de sangue reinava enquanto seus dentes amassavam seus
lábios com força. Ela girou o tronco o suficiente para beijá-lo, então o
membro de Roman saiu de sua vulva.
Nikki aproveitou para
agarrá-lo, lançá-lo à cama bruscamente e montá-lo como nunca fizera
antes. Seus lábios tocavam os de Roman, ao passo que os lábios de baixo
engoliam o sexo do homem.
Para cima e para baixo, célere como uma
pantera, feroz como uma leoa, bela como uma deusa! Seus seios se
apertavam contra o rosto de Roman enquanto ele sugava seus mamilos
sofregamente.
Passaram uma eternidade naquela posição, até que
Roman a envolveu em seus braços musculosos e girou na cama, obrigando-a a
abrir as pernas tanto quanto pudesse. As mãos do homem subiram pela
parte de trás daquelas coxas sedosas e agarrou-as nas divisas,
forçando-as para baixo.
Então enlouqueceram.
Os fios alvejados dele se misturaram aos vermelhos dela, ao passo que eles se beijavam insanamente, se mordiam, se apertavam.
Roman
não a perdoava um segundo sequer e Nikki adorava aquilo. Seus gritos
agudos eram ouvidos pelos corredores do hotel. Gritos altos que
ocultavam os sons dos relâmpagos e raios que pareciam formar uma
tempestade dentro do quarto.
– Vai! Não para, porra! Me fode!
Me... - Ela gemeu em uma estocada potente, mordendo o lábio inferior com
tanta força que o gosto de sangue se misturou ao desejo. - Me.... -
gritou outra vez, se contorcendo na cama, totalmente entregue. - Me...
–
AHHH! Eu vou.... - Ele começou, entre mordidas no pescoço e urros de
prazer. - Eu vou... - Roman não terminou a frase com palavras.
Suas
mãos se apertaram contra as pernas de Nikki. Seus músculos pareciam que
iriam explodir. Um urro gutural se misturou ao grito de Nikoletta e a
um trovejar monstruoso.
Nikki sentiu o sêmen de Roman dentro de si, quente.
O casal desabou, sorrindo e arfando, suados e realizados.
Os
dois permaneceram em silêncio por longos minutos. Os corações batendo
de forma descontrolada no peito de ambos, o suor escorrendo, os fios de
cabelo colados nas costas, nos braços, no pescoço.
Roman saiu de
cima de Nikki, que cravou as unhas nas omoplatas em forma de protesto.
Olhos acinzentados fitaram-na com um brilho muito travesso.
– Se continuarmos assim, não sairá desta cama até a próxima semana, linda.
– Não quero me mover sequer um centímetro.
– Nem eu – respondeu ele – mas eu sou pesado e daqui a pouco será desconfortável para você.
–
Ahn – Os dói rolaram na cama, enquanto Roman mudava as posições e
deixava Nikki deitar sobre ele. Os cabelos ruivos estavam tão
desalinhados que pareciam um ninho. Rebeldes como os olhos dela.
Os
lábios estavam inchados, muito vermelhos, e havia um corte no inferior,
graças às mordida que deram. Os seios também estavam inchados,
deliciosamente doloridos e rosados. Nikki se espreguiçou, esticando-se
como uma gata. Ela ergueu o rosto, ergueu-se da cama em um salto. Os
olhos arregalados e a boca entreaberta. Sentiu o grito preso na
garganta, porém não soltou som algum.
No canto do cômodo havia uma
enorme nuvem condensada. Pequenos raios cintilando dentro do formado
arredondado, como uma tempestade em miniatura. Pensou nos trovões que
tinha ouvido, estava tão concentrada que nem sequer percebeu que não
havia mais tempestade lá fora, os sons vinham de dentro do quarto.
Embaixo da nuvem, havia uma pequena árvore com um fruto vermelho,
exatamente da cor dos cabelos de Nikoletta. Uma única fruta pendia de um
dos galhos, uma pequena romã.
O reconhecimento assombrou-lhe a alma junto com o som de um trovão.
“Que
a deusa do matrimonio a proteja, querida. Ela abençoará sua casa e te
fará fértil para construir sua própria família. Lembre-se de quem você
é. De onde você veio. Os deuses nunca se esquecem dos seus filhos...“
As
palavras ecoaram na mente dela como se fossem ditas pela primeira vez.
Uma cascata de imagens começou a se formar em sua mente e ela pensou que
iria enlouquecer. Todos os sonhos que tivera em sua vida, todas as
vezes que viu algo estranho, algo que não fazia sentido. Todos os
sentimentos ruins que alimentara, tudo estava ligado.
“Como uma deusa” dissera Roman.
Não, corrigiu-se ela mentalmente, Zeus.
Aquele
homem a tinha seduzido, levado para sua cama enquanto a culpa a corria.
A culpa pela traição. Mas não estava traindo, não quando o homem que a
tinha feito foder como uma puta era seu marido também. Unidos pela alma
imortal que possuíam.
A romã era o símbolo da fertilidade,
qualquer grego sabia disso. Símbolo de uma deusa orgulhosa, ciumenta e
vingativa. A deusa que usava uma coroa de ouro e personificava a união.
Hera.
Nota: Capítulo escrito por Thayane Witte
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