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terça-feira, 2 de junho de 2015

Capítulo 19: Katherina

Um mês antes.

Ela estava sentada no meio da plateia, entre a segunda e terceira fileiras.

Vestia-se tão diferente da maioria das pessoas que estavam ali, que era impossível não notá-la. Entre os elegantes ternos, vestidos e roupas de marca, ela usava uma calça jeans simples e desbotada. Não calçava saltos, mas sim um par de tênis e uma blusa azul marinha com uma frase enorme de “Salvem os golfinhos” estampada na frente.

Não tinha nenhum tipo de maquiagem no rosto e, além do colar com uma aquamarine em formato de gota, também evitava joias e outros tipos de adornos femininos. Os cabelos cor de ouro estavam presos em um coque alto, deixando que somente alguns fios rebeldes caíssem como cascatas em torno do rosto ovalado. Os olhos eram de um tom que ficava entre o azul e o verde, parecendo mesclar-se enquanto ela observava de forma silenciosa o homem que se apresentava a frente. Os lábios grossos eram rosados, pequenos como os de uma boneca de porcelana. O lábio inferior muito mais grosso que o superior, combinando com as bochechas coradas. Ela odiava suas bochechas cheias, que formavam covinhas quando ela sorria, por isso havia adquirido a mania de levar as mãos ao rosto quando ria. Não possuía a aparência perfeita que outras tão cuidadosamente mantinham, e parecia desleixada demais para aquele lugar. Também não parecia bonita olhando-a de longe, como um patinho feio longe de casa. Mas havia algo nela que parecia brilhar enquanto fitava fixamente os olhos azuis do homem alto de terno acinzentado.

Os olhos demonstrando algo entre a surpresa e o desconforto. Quase como se ela o reconhecesse.

A jovem não se importava com o que vestia, nem sequer pensava nisso. Tudo que tinha em mente era que estava diante de uma oportunidade grande, extraordinária. Não conseguia acreditar que realmente tinha sido convidada para prestigiar uma das figuras mais importantes para estudo e preservação da fauna e flora marinha.

Estava diante de um homem que se tornara um mito. Que com sua inteligência e paixão conseguira se tornar tão conhecido quanto um astro do cinema.

Todos já tinham, ao menos, ouvido falar do nome dele, mas nenhum deles poderiam conhecer aquele homem da mesma forma que katerina conhecia. Nero Pagani, o chamado Poseidon, era a reencarnação do velho deus dos mares.

Mas podia o destino pregar uma peça tão grande? Kate não conseguia acreditar, nem mesmo agora que o via tão perto, elegante em seu terno de luxo, cabelo e barba raspados. Quando o viu subindo os degraus do palco, não precisou de uma placa reluzente e nem de um sinalizador para entender que estava diante dela, ela simplesmente soube. Reconheceu-o tão rapidamente que nem sequer deu tempo a si mesma para achar que era loucura. Era ele, o homem que um dia aprendeu a amar, o homem que era a causa de toda a sua dor e raiva.

Quando a palestra terminou, Kate se levantou e caminhou a passos largos para fora. Os sapatos fazendo barulho enquanto ela andava cambaleante pelo tapete vermelho, quase como se estivesse a ponto de cair ao chão.

Foi quando, nesse exato momento, dois brutamontes se aproximaram da garota. O homem da noite a observara ao longe. Intrigado, mas não menos orgulhoso do que disse. Do sistema que iria utilizar. Dos programas para mapear os oceanos e animais marinhos. Mas algo naquela mulher era estranho. E por isso a mandara chamar e os viu a conduzindo por todo o saguão, sem a menor resistência da plateia que sabia de suas excentricidades. Uma delas era requisitar um aluno para uma conversa particular e talvez aquela garota fosse à escolhida.

Lisana a encontrou, próxima a porta dos bastidores e a conduziu para dentro do camarim...

– Sr. Nero - disse Lisana batendo duas vezes na porta - Aqui está à mulher que pedira.

– Nos deixe a só, Lisa - disse casualmente o homem.

Assim que sua secretária e chefe de sua segurança retirou-se o forte homem, o considerado deus dos mares pelos mortais - e eles malmente sabiam que estavam se referindo da maneira certa a ele - cruzou os braços.

– Seu nome é Katerina Ventura, correto? - franziu uma sobrancelha.

Ela ergueu uma das sobrancelhas, furiosa por ter sido arrastada até ali como se fosse um animal que tinha fugido de casa. Evitou olhar para a mulher para quem os dois idiotas a levaram, rosnou alguns palavrões em português e fez questão de discutir com ela, mas a estranha permaneceu firme e indiferente. Estou cumprindo ordens, dissera ela.

Kate estava corada graças à raiva que sentia. Não queria estar ali, não podia estar.

– O quer de mim? - respondeu de forma ríspida.

– Eu diria que quero sua ajuda. - sorriu Nero - Pode me ajudar?

Cruzou os braços – Confesso que estou surpresa. Vai me deixar ir embora, e o mais longe possível de você?

– Eu sou “O” cara a respeito da ciência marinha e você quer se ver longe de mim? O que eu te fiz?

Curiosa, Katerina se aproximou dele. Não a reconhecia?

– Não sabe quem eu sou? Não pode estar falando sério.

– Não. - respondeu secamente Nero - te chamei aqui por que realmente quero sua ajuda, é sério o suficiente para mim.

– Oh - surpreendeu-se ela - Nero Pagani precisa de minha ajuda? Tem certeza que isso não é algum jogo seu?

– Se fosse algum jogo meu, eu estaria sendo sarcástico - ele rodou na cadeira e voltou a sua posição original - Me indicaram seu nome enquanto estive na Itália e vou seguir o plano que fiz... O que sabe sobre os doze deuses do Olimpo?

Céus, ele sabia quem era, mas não sabia quem ela era. O que deveria fazer? Optou por manter algumas coisas em segredo.

– O que quer saber?

– O que você sabe, primeiramente.

– Sei sobre a existência dos deuses, os chamados Olimpianos. Zeus, Hera, Afrodite, Artêmis, Apolo, Dionísio, Deméter, Hermes, Hefestus, Athenas, Ares e Poseidon. Que os irmãos, Zeus, Hades e Poseidon dominavam este mundo, cada um em seu próprio reino. - ela suspirou - Sei tudo e um pouco mais. Diga-me aonde quer chegar.

– Digamos que você possa ser uma das chaves para a vitória dos Olimpianos numa guerra que está por vir - Nero levantou-se - Mas primeiro, se quiser crer no que está acontecendo, por que não me segue até o condomínio que estou? Lá eu te mostro o porquê dessas mudanças ocorridas tanto na climatologia quanto nos oceanos. E não é ao acaso.

– Espere. Não vou seguir você. Não vou cair em seus joguinhos outra vez. Eu sei quem você é, não se faça de tolo. Diga-me porque mandou aqueles babacas me trazerem até aqui - a voz dela denunciava seu desconforto - e pare de fazer rodeios.

– Apolo teve uma visão. E seu nome, Katerina Ventura, estava envolvido - Nero respondeu com veemência - Todo mundo sabe quem eu sou, Poseidon, Deus dos mares, o novo Oráculo... Dentre outras alcunhas. Mas você, como defensora da natureza, que sei que é, não quer ajudar a salvar o planeta de uma guerra de gigantes?

– Nero - disse com calma - Olhe para mim.

– Por quê? Já estou olhando.

– Não, não está. - Era possível que ele não a reconhecesse? Seria uma benção se fosse verdade. Preferiu optar pelo silêncio - Esqueça. É melhor assim, ao menos para mim. Conte-me mais sobre Apolo e sua visão.

– Outra pessoa ficaria doida e me perguntaria quem era Apolo... - murmurou ele - Acho que ele me indicou a pessoa certa. Digamos que ele é o homem das visões e eu sou o cara dos planos. Vai me seguir ou não, Katerina Ventura?

– Onde você o encontrou? Todos devem estar despertando juntos, mas por quê? Você falou sobre uma guerra de gigantes, acha que são os titãs outra vez?

– Aqui não é o melhor lugar para se debater. Quer me seguir ou não? As paredes têm ouvidos...

Não confiava nele, isso era verdade. Mas precisava saber o que estava acontecendo, ao menos agora.

– Tudo bem.

Eram as palavras que ele queria ouvir. Ao menos aquilo. Logo que saíram do camarim foram até seu carro, localizado no estacionamento do imenso centro de convenções na cidade. Ele, sem avisar a ninguém - exceto sua secretária - retirou-se do recinto e acelerou em direção ao condomínio onde estava. Sua Mercedes roncou para dentro de uma avenida e seguia o litoral de maneira lenta, de forma que ele pudesse falar sabia e pausadamente o que tinha planejado.

– Não. Titãs não são. São outros inimigos, muito mais astutos e fortes que os titãs. - disse enquanto mantinha os olhos na pista - Acredito que esteja dentro de nossa aba.

– Mais fortes? Vocês quase perderam a guerra! Naquele tempo ao menos tinham seus poderes.

– E inteligência, não se esqueça disso. - respondeu - E além de tudo, tem alguns que andam em pé de guerra com seus deuses internos.

O italiano deu um forte muxoxo - ele estava falando de si mesmo.

– Logo será um desafio pior que os titãs.

– O que quer de mim? Eu não participei naquele tempo - graças a você, pensou - Oceano não se juntou aos titãs naquela guerra, e fiquei presa dentro de um castelo até acabar. Sou uma conselheira, não luto.

– Você seria quem? - pela primeira vez Nero se fazia essa pergunta - Não importa, dessa vez, você vai lutar, não importa quem seja.

– Sou uma nereida - sentia a cabeça doer um pouco, estava cansada da viagem. Levou as mãos ao rosto, massageando a têmpora - Filha de Nereu e Dóris. Também sou conhecida como a deusa protetora dos Delphins.

– Ah! Anfitrite. Nome de minha nova atualização a tecnologia para mapeamento das correntes marítimas e das profundezas do oceano - ele sorriu sarcasticamente - Vejo que Apolo realmente me indicou a pessoa certa.

Kate se encolheu no banco ao ouvir seu nome. O corpo magro estremeceu e a dor em sua cabeça ficou mais forte

– Tive fé que não lembraria.

– Por quê? Eu coloquei o nome da sua deusa interna numa das maiores invenções atuais. Devia sentir-se honrada...

– Honrada? - ela riu - Não ligo para sua tecnologia, não mais. Vamos demorar muito para chegar? Estou desistindo de ter aceitado vir com você.

– Como não? Você não ouviu minha palestra, não é? Animais poderão ser catalogados e defendidos. Espécies em extinção salvas. E ainda sim não liga para minha tecnologia?

– Conheço cada espécie marinha e de água doce existente nessa época, inclusive as extintas. E se você não tivesse inventado seu sistema, eu teria feito alguma coisa para defendê-los. Mas confesso que foi de grande ajuda, embora quando conseguir controlar meus poderes possa salvar a maioria delas. Não precisa de mim para congratulá-lo.

Ela sentia raiva, frustração. Não queria que ele parecesse tão calmo agora, tão... Diferente do que ela se lembrava.

– E não ouvi uma palavra do que você disse. Sinto muito.

– Teria feito alguma coisa? Com que dinheiro? E meu sistema não salva apenas espécies. Prevê catástrofes! Além disso, estou trabalhando para melhorar o sistema Netuno. A natureza, como nós bem sabemos, pode ser controlada. Bastando ver de antemão o que acontecerá. Como se fosse um profeta.

Nero parecia ter orgulho do que inventara, uma sombra da imagem do deus que habitava em seu interior.

– Diferente do passado, uso meus conhecimentos para engrandecer o mundo. Mas parece que você não vê isso...

– Eu vejo o homem com quem convivi uma centena de vidas. O deus que jurei odiar. Sei mais de você do que você mesmo, como pode esperar que veja algo assim? Não, sinto muito. E não me subestime, homem. Arrumar dinheiro no mundo mortal é muito fácil quando se tem o poder divino.

– Graças a deus o mundo vê diferente. Eu hein - Nero não perdia a calma e ainda fazia deboche. Não poderia se dar o luxo de ficar irritado - O Brasil já comprou minha tecnologia que será implantada. As duas. Você usará o que eu criei. Se você se sente tão poderosa, tente fazer algo melhor que eu.

– Não vou trabalhar para você. E não me dê ordens, não sou mais sua esposa. Não vou fazer suas vontades, e não trabalharei para você. Estou cursando biologia marinha, ou seja, trabalho somente com animais. E já tenho meus projetos.

– De forma indireta vai usar minha tecnologia. E isso basta para minha pessoa - ele sorriu - Você verá. Ah, como verá.

Ele deu uma nova risada, dessa vez baixa e como se tivesse algum plano por debaixo dos panos.

– Mas o que eu quero que você faça é que vá a essa festa.

– Festa?

Ele parou em frente ao hotel onde ela estava hospedada, coisa que era uma surpresa.

– Todos os deuses estarão lá. E na festa, eu explicarei tudo que está acontecendo. Se vai, eu não sei, mas que a vida do mundo o qual você vive atualmente está em perigo... Se quiser ajudar ou não, a escolha é sua.

– Nero - disse ela - Tenho coisas para fazer, uma vida. Não posso continuar em Salvador só porque você quer. Tenho aulas na faculdade que não posso perder, e meus animais? Preciso controlar a saúde dos mamíferos marinhos que foram resgatados, como posso deixar tudo isso de lado?

– Tudo está a cargo de minha organização, não se preocupe com isso. Inclusive, estou construindo um complexo para isso em Balneário Camboriu justamente para este fim. O que quero é impedir que uma merda gigante aconteça. Vai ajudar ou não?

– Tudo bem - disse a mulher enquanto saia do carro - Mas essa conversa não terminou. Mande-me as informações da maldita festa.

Katerina se afastou com pressa, sem sequer olhar para trás…

Quase um mês se passou desde o encontro com Nero. Havia algumas semanas encontrara Apolo, o deus que tinha sido seu amigo em tantas outras vidas.

Sentou na cama e pegou o pequeno Mac que a acompanhara desde o começo da faculdade. Colocou-o sobre as pernas cruzadas e digitou sobre passagens para Salvador. Encontrar Apolo, ou Dimitri, havia dado-lhe a certeza que precisava. Iria para o nordeste e ouviria o que Nero tinha para dizer, mas não se juntaria a ele. Também precisava saber o que estava acontecendo, e com urgência.

Trancaria a faculdade, pelo menos por enquanto. Voltaria assim que tudo estivesse resolvido – prometeu a si mesma.

Comprou as passagens para dali uma semana, seria o suficiente para resolver o que precisava. Cogitou a possibilidade de ir com Tritão, mas o veleiro ainda precisava de reparos e não teria condições de fazer viagem alguma por enquanto. Ainda tinha dinheiro no banco, mas faria questão que Nero pagasse tudo. Era o mínimo. Por mais orgulhosa que fosse, não era tola. Essa festinha era um dos luxos de Poseidon, se não fosse o deus dos mares, ele deveria ter ocupado o lugar de Dionísio.

Respirou fundo. Precisava de um mergulho para acalmar os nervos.

Capítulo escrito por Thayane Witte e Rafael Burgüer.
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