Katherine Vigèe cruzou os braços enquanto observava a vista de um dos
maiores edifícios de New York. A noite estava em seu auge, mas as luzes
artificiais impossibilitavam qualquer mortal de ver as estrelas. Seus
longos cabelos castanhos e encaracolados se agitaram com a passagem de
uma brisa, o olhar azul poderia ser comparado à cor dos mares puros no
início da criação, a pele era alva e macia ao toque e sua voz tinha um
tom suave, cujo qual os mortais chamariam de cântico dos anjos.
Ela
balançou um dos braços, agitando uma névoa espessa e negra onde
diversas imagens começaram a tomar forma. Primeiro uma jovem de cabelos
acobreados beijando um homem moreno em um quiosque beira mar. A cena
mudou rapidamente para a de um garoto tocando piano ao lado de uma bela
donzela, em seguida para uma tentativa de estupro dentro de uma
faculdade brasileira. Perséfone e Dionísio, Apolo e sua amada mortal,
Anfitrite e o zelo de Poseidon.
Um a um os deuses revelaram-se em
seu campo de visão, todavia uma mancha negra sempre os rondando,
observando e estudando seus alvos.
Thanatos.
Katherine reconheceu o ardor e o poder de sua criança enquanto ele assistia cada um dos imortais.
Por
incontáveis eras, Katherine, como era conhecida entre os mortais,
observava de longe seu filho favorito. Ela sabia que apesar da frieza do
deus da morte e de sua negação para com a mãe existia uma parte dele
que ainda confia nela. E era aquela certeza que a fazia assistir tudo e garantir que nada desse errado.
O som de vozes exaltadas
interrompeu o devaneio de Katherine, imediatamente ela desviou o olhar
para a névoa onde pode reconhecer a versão mortal de Hera brigando com
seu marido. Não que aquela fosse uma cena incomum, na verdade, os
conflitos eram quase que diários, poderiam cessar por algum tempo, mas
sempre voltavam. Porém, desta vez havia algo diferente no olhar de
Nikoletta.
Um ódio profundo e uma dor extrema. Ela pegou algumas
roupas e as atirou dentro de uma mala, as lágrimas cortavam o rosto da
deusa enquanto ela dirigia as pressas para o aeroporto. Seu marido, por
outro lado, seguiu o caminho para um bar perto de onde morava.
Um sorriso leve formou-se nos lábios de Katherine, enquanto ela usava seu poder para chegar até o pequeno bar em Long Island.
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O
ar tinha cheiro de podridão e tinta das paredes já havia começado a
descascar. Erik Sullivan estava sentado sozinho em uma das mesas e já
deveria estar na terceira ou quarta cerveja.
– Posso me sentar aqui? - Katherine perguntou graciosamente.
O
homem desviou seu olhar para ela, o desejo saltou de seus olhos quando
viu a bela jovem vestindo uma calça de couro e uma regata preta parada à
sua frente.
– É claro – Respondeu. Sua voz embargada pelos efeitos da bebida - Você é?
– Katherine Vigèe.
A
deusa não se incomodou em perguntar o nome dele, não faria qualquer
diferença considerando que Erik estava tão alterado a ponto de ir com
ela para qualquer lugar, e obviamente, o corpo convidativo de uma jovem
de 20 anos também tinha lá seu poder. Quando ficou completamente bêbado,
ele a levou para sua casa. Katherine reconheceu os cômodos que haviam
sido cenários de diversas brigas, Erik se aproximou dela aos poucos,
tirou o cabelo de seu pescoço e começou a beijá-la. O cheiro da bebida
dava-lhe náuseas, Katherine levou-o até a cozinha, enquanto ele tentava
prensá-la contra alguma parede.
– Você quer brincar, gracinha? - Murmurou entre um beijo e outro.
–
É claro que eu quero brincar - Ela sussurrou no momento em que começou a
descer uma das mãos pelo corpo dele, enquanto a outra segurava uma das
facas do jogo de jantar de Nikoletta.
– Eu vou te ensinar a brincar - Continuou e subiu uma das mãos pelas coxas de Katherine.
– Não. Eu vou te ensinar a brincar - Sua voz soou baixa e convidativa, certamente, Erik nem cogitava o que estava por vir.
Em
seguida ela cravou a faca nas costas dele. Profundamente. O sangue
jorrou e cobriu o chão da cozinha, o líquido escarlate manchava as
roupas de Erik enquanto ele tentava inutilmente conter o ferimento,
entretanto ele não alcançava. Em seus olhos a confusão e o terror eram
claros, poucos segundos depois, ele já estava deitado em seu próprio
sangue e sua face exibia os traços da morte. Katherine colocou a faca no
balcão e agitou uma das mãos. A névoa preencheu o espaço ao seu redor
novamente, a visão de Nik chegando à Grécia era clara, mas foi
interrompida pela presença de outro imortal.
– Thanatos.
–
Oh! - o aclamado deus da morte sorriu à medida que via Erik agonizar no
chão de sua própria casa - Uma excelente morte, mas não do jeito que eu
faria. Mas, não sendo uma profissional, eu entendo a bagunça - Ele
retirou o chapéu negro que vestia - Park Ji Young, mais conhecido como
Thanatos. O líder da seita Black List e deus da morte do submundo - ele
sorriu novamente - Gostaria de saber o porquê quis matar esse homem...
Nyx levantou uma sobrancelha, o fato de Thanatos não recordar-se dela, era, em certo ponto, hilário.
–Tédio - Ela deu de ombros - Não sabe quem eu sou?
–
Por que deveria? - Estava claro que apesar de se denominar deus da
morte e ter uma fascinação por ela, Thanatos ainda não havia despertado
completamente - E tédio? - Ele gargalhou - Gostei de você... E você é?
Katherine apoiou uma das mãos na bancada e o fitou, apesar de mortal, ela poderia reconhecer os traços de seu filho nele.
– Katherine ou Nyx, como preferir.
Apesar de falar seu nome, o jovem parecia mais interessado no corpo de Erik... Naquele momento.
–
Sim. Mas você atrapalhou com meus planos matando esse homem - O
asiático, atual reencarnação de Thanatos, parecia entediado por ver mais
um corpo morto por uma facada tão simples - A morte deve ser uma
beleza. Mais uma arte. E eu queria usá-lo, por isso vim a sua casa.
– Chegou atrasado - Katherine deu de ombros - Então, o que a versão mortal do meu adorado filho quer dessa vez?
–
Filho? - Thanatos sorriu, desta vez, ironicamente - Você tem quase a
minha idade. E por que diria meus planos a alguém que acabei de
conhecer? Sou tão previsível assim?
– Thanatos - Ela pronunciou o nome com calma - Achei que você ainda se lembrasse de mim.
–
Nyx, é um nome de certa deusa - Ele se agachou e verificou o corpo do
homem que a bonita garota havia matado, para depois fitá-la - Mas
responda a minha pergunta.
– Tenho uma oferta interessante...
E não é meu corpo, Katherine acrescentou mentalmente ao ver que Park a olhava como mais uma de suas presas.
– Depois de uma morte dessas. Usando a sedução, acho que irei ouvir. Diga sua oferta.
– O Submundo. Totalmente seu. Sem Hades para se impor, sem uma rainha mimada para contestar suas vontades...
Ele a analisou.
– E você pode me oferecer isso? Hades, pelo que eu sei, é o deus reinante sobre os mortos. Você pode me tornar maior que isso?
– Se sua memória te ajudasse, você saberia que eu posso.
Park a encarou diferente por alguns instantes e moveu-se bruscamente em direção ao morto.
–
Venha comigo - Ele pegou o corpo do homem assassinado - E lá
discutimos... Além do mais, eu quero te convidar à minha organização.
Ele falava com interesse evidente. Era um fato que Park a veria apenas como uma mulher, tanto que Katherine deu de ombros.
– Claro, temos muito para conversar.
O
esconderijo que Thanatos escolheu não ficara distante dali. No bar que
ele escolhera, havia homens e mulheres de todos os tipos e raças. Negros
altivos, asiáticos, como ele, baixos e tímidos. Mulheres sensuais e
volumosas bem como até crianças, em sua face e corpo, órfãs. Todos viam e
reverenciavam Park como um líder. Não era o mais forte, mas era o mais
inteligente, mais capaz. E quem quer que conheça sobre a organização
sabia: Aquela era apenas uma extensão da influência do homem que
comandava a maioria dos assassinos contratados do planeta. Os melhores
dos melhores. E se ele era o líder, era por que tinha algo de especial.
Logo
ao deixar o corpo com um de seus colegas, se dirigiu com Katherine até
uma região no subsolo daquele recinto. Sentara numa espécie de trono e
observou mais atentamente a beleza da mulher que o chamava de filho. Não
era das mais belas, mas era seu tipo.
– Aqui estamos Katherine
Vigèe. - disse, com um tom zombeteiro. - Sua proposta parece
interessante. Mas o deus que vive em mim, não despertou completamente.
Logo, não reconheço se você faz parte do panteão grego original ou se
faz parte dos usurpadores. Thanatos não me privilegiou com essa
informação. Logo, eu, Park te verei apenas como uma mulher. Mas cabe a
ti provar que é mais que isso.
Katherine o analisou rapidamente.
Orgulhoso. Manipulador. Sedutor. Três palavras que definiam
perfeitamente bem o estilo de Park.
– Eu sou Nyx, Park. A Deusa da
Noite, Juíza dos Deuses, A primeira criatura a surgir do caos - Ela
encarou-o nos olhos por alguns instantes, do lado de fora, as estrelas
dançavam enquanto ela pronunciava cada palavra.
– Continue...
A deusa suspirou.
–
Eu sou imortal, Park. Não encarnei como você e os outros deuses. Eu não
morro - Ela mediu cuidadosamente as palavras - Eu sou a mãe de
Thanatos.
Aquilo foi uma ducha de água fria na versão humana de Thanatos. Ele se achava o mais poderoso. O mais mortal dos mortais. Mas um imortal? Era demais para ele.
– E por que só agora decidiu
fazer um movimento contra os deuses, Katherine Vigèe? - ele usava o nome
mortal da mãe de seu deus interno para sentir-se de certa forma acima
dela - Por que me deixou morrer tantas vezes?
– Eles não
atrapalharam antes - Ela deu um passo na direção dele - Você sempre me
odiou. Eu observei suas vidas mortais, uma por uma, vi-o nascer e
morrer. Você estava melhor sem mim e sem a raiva que sentia por mim.
–
Eles não atrapalharam antes? Isso é resposta? - Ele estava começando a
se irritar, talvez por causa da raiva que sentia dela - Eu te odiei,
porque não fizera nada a impedir essa maldição. Por isso, eu quis me
vingar com minhas próprias mãos.
Park e Thanatos se confundiam e alternavam as falas.
–
Eu voltei Thanatos! - Ela gritou, a fúria em suas palavras era evidente
- Voltei por você! Deixei Hipnos, Nêmesis e todos os meus outros filhos
para lhe procurar!
Thanatos tomou finalmente o corpo de Park. Sobrepondo a sua vontade sobre a do humano. Só que era mais fácil crer que o mortal deixou ser tomado pelo deus.
– É difícil acreditar,
mãe - Ele sorriu ironicamente - Você sempre foi boa em usar as pessoas.
Meu recipiente dessa vez controla uma seita, uma guilda de assassinos.
Que bem fará a seus planos se eles forem postos a seu uso? Difícil
acreditar que voltou por mim.
– Eu tenho poder suficiente para
matar quem eu decidir Thanatos e você sabe disso - Ela sorriu igualmente
para ele, porém de uma forma mais maternal - Se não acredita em mim,
explique por que eu não fui atrás de Auriel ou Alexandra antes.
–
Se você tem o poder para matar quem quiser, por que precisou de uma faca
de cozinha e o poder da sedução? - Ele mantinha Park sobre controle -
Eu não sei o que pensa mãe. Ilumine-me.
Apesar de tentar ser
intocável, tanto Park quanto Thanatos estavam abalados. Aquela mulher
era a última coisa que eles esperavam encontrar.
– Diga-me Thanatos, não é mais divertido assim? - Ela sorriu para ele - Ver o sangue jorrar? Uma nova era. É isso que eu penso.
–
Park e sua vida me fez pensar diferente. A Morte é uma arte, afinal é
nosso ultimo momento antes de viver uma nova vida, uma nova era.
–
Apesar de tudo, eles ainda possuem almas imortais. Você pode
tortura-los e mata-los, mas eles sempre renasceram cada vez mais fortes.
Eu posso quebrar esse ciclo, se você deixar.
– Duas condições... -
disse Thanatos com calma, sentado em seu trono - Primeiro, sua
imortalidade deve ficar oculta a Park, ele não deve saber, vou explicar a
ele de uma forma compreensível. Segunda, ele gosta de você de outra
forma, mãe. Mas esse é o corpo que eu mais gostei em toda minha historia
de renascimento. Mais inteligente e genial que os antigos. Logo, o
quero vivo o máximo de tempo e por isso que estou lhe ajudando. Ele vai
dar em cima de você, amada mãe - Thanatos sorriu, era claro o quanto ele
estava se divertindo - Agora suba e conheça alguns membros da família
humana de meu vassalo enquanto falo com ele.
Katherine revirou os olhos com desgosto.
– Claro. Tudo para agradar nosso adorado Park.
Ela
tomou rumo pelas escadas que davam acesso na cobertura, um grupo de
pessoas estava sentado em uma mesa e conversava alegremente sobre algum
assunto que ela achou não ser importante.
Todos a olharam da mesma forma que Park, interessados e intrigados.
Não
demorou muito. O asiático líder de uma seita de pessoas cuja morte
considerava uma arte subiu sorridente e com seu chapéu característico.
Ele chamou a atenção de todos. Seus comandados, sem exceção, ajoelharam e
mantiveram as faces voltadas para seus olhos negros, porém mortíferos
como o caos da noite.
– Meus irmãos! Esta é sua nova iniciada,
minha querida namorada Katherine Vigèe. Ela começa acima de vocês, dada
sua proximidade a mim. Porém, lembrem-se da hierarquia. E de quem vocês
obedecem.
Um homem forte e com varias cicatrizes no rosto, tomou a palavra.
– Sua namorada meu lorde, quais as especificidades dela?
– Como a Sapphire.
– Compreendo. Seja bem vinda. O senhor vai introduzi-la na reunião da Guilda, semana que vem?
–
Claro. Além do que - ele sorriu, quase gargalhou intensamente - Será a
recriação da noite de Walpurgis. À noite em que o plano de decadência
dos mitos divinos se tornará realidade. Aonde a reencarnação total irá
se tornar realidade. E a Katherine aqui, é parte crucial do meu plano.
Ele parou e abriu os braços olhando para todos seus comandados naquele lugar.
– Estão comigo?
– Sempre, meu lorde! - Todos responderam.
Katherine
evitou ao máximo arregalar seus olhos com a denominação que Park havia
lhe dado. Quanto aos outros, era certo que ele havia escolhido bem cada
um dos integrantes de sua organização.
Park havia se cercado de
assassinos e fechado seu coração para o mundo. Ela o analisou de longe,
ele era dois anos mais velho do que ela, ao menos em sua aparência
mortal. Tinha traços marcantes e um olhar mortal.
– Namorada...
Ela
murmurou ironicamente enquanto batia seus saltos no chão. Se aquele era
o único jeito de se aproximar de Thanatos, que assim fosse.
Nota: Capítulo escrito por Júlia Hornick
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