Em um hotel a beira do mar da barra, em Salvador, a reencarnação
atual do deus do inferno respirava ar fresco depois dos temperamentos
irracionais das suas ações no Sul do país. Decidira ignorar o convite do
megaempresário Nero Pagani, porém vigiar as ações de todos aqueles
seres de perto, muito por causa da presença confirmada de Christian De
Wjier e Charlotte Wickery, seus dois principais alvos. Ao despertar e
passar um tempo em reclusão, memórias inundaram sua mente como o curso
de um rio descendo determinada montanha, de idêntica maneira a uma brisa
de outono a qual faz cair às flores da primavera. Imagens de sua
história no decorrer do planeta permearam seus sonhos, incluindo aquelas
que, seu ser interior, procurava esquecer.
Existiam duas
histórias verídicas do cruzamento do deus reinante sobre o vinho e o
envolvimento dele a sua rainha e suas reencarnações. A primeira delas
ocorreu no ano de 208 da era cristã, no Oriente, como se os três
procurassem fugir do que aconteceu a Grécia pós-conquista do Império
Romano. Vince – conhecido assim por seus colegas mais próximos –
desferiu uma leve risada à medida que recordava de uma história a qual
ele esqueceria jamais, muito em consequência da vergonha, não da
derrota, e sim do conluio feito por duas pessoas que confrontaram o
destino imposto a sua frente.
A raiva de Hades a contraste a
Dionísio começara a partir desse fatídico evento, quando o inteligente,
porém maleável deus do vinho criou um estratagema incrível utilizando
bebidas e mulheres. Mas não quaisquer umas Ele sempre reencarnara em
pessoas as quais inspiravam terror, desespero e medo da morte e da
ascensão ao inferno. Frequentemente associado a ditadores ao longo da
história, pessoas juravam pactos em seu nome justamente a evitar a
punição de ir ao Tártaro. A temeridade a sua imagem culminou a sua
vertente descrita na Bíblia Cristã, na qual citava Hades como o
Cavaleiro da Morte, o último dos cavaleiros do apocalipse.
– Não esqueço como Dionísio usou a Perséfone para me vencer nos Penhascos Vermelhos.
Era
a maior batalha naval de toda a história humana. Mais de um milhão de
pessoas estavam envolvidas das quais, cerca de oitocentos e cinquenta
mil foram mandadas ao outro mundo. O plano de fundo de tal história de
amor e ódio surgiu na virada do século, quando o deus retratante do
inferno, em sua atual forma, vislumbrou a beleza de uma donzela de uma
terra distante, ao sul do Rio Azul. Procurou sequestrá-la e, usou dos
mesmos recursos que utilizara na mitologia a atrair aquela garota a seu
lado, porém sem sucesso. Ela se apaixonara perdidamente por um membro
proeminente de uma família nobre no sudoeste do continente. Tal rapaz
era mais belo, amante da beleza feminina e das artes.
Oito anos
depois, seu receptáculo Cao Cao, unificou o norte do continente e lançou
éditos imperiais – ele controlava a corte – a fim de descer ao sul e
completar a conquista da China por inteiro. Do outro lado, estava aquele
mesmo lorde o qual roubara sua linda mulher e por causa disso ele foi
irredutível: Detinha conhecimento da habilidade naval de seu rival, e
ignorou os conselhos de seus estrategistas, querendo derrotar aquele
homem onde ele possuía mais conhecimento, asseguraria uma vitória
completa e ainda teria o prazer de pegar a si a belíssima garota
atendente pelo nome de Xiao Qiao. Para ele, Perséfone foi obrigada a
casar-se com Dionísio devido a sua família. E com isso em sua cabeça
juntou um exército de oitocentos mil homens a conquista do sul.
Vincent
quebrou com suas próprias mãos uma xícara de chá ao lembrar que,
momentos antes da batalha, possuía a vantagem de ter o vento a seu
favor. Um ataque de fogo as forças diminutas de Dionísio – malmente ele
conseguira duzentos mil homens – acabaria por extinguir as esperanças de
um destino onde ele poderia ser feliz ao lado daquela linda mulher.
Todavia, a mulher em questão, visitou seus aposentos a fim de fazê-lo
reconsiderar a guerra.
A segunda versão, muito mais conhecida dos
ocidentais, aconteceu à época das cruzadas quando Saladino utilizou-se
de Sibila, uma meretriz e prostituta, para saber seus segredos mais
íntimos e prever o ataque a Jerusalém. Reconhecera que tratara mal a
garota, mas que mulher não gostaria de ter o rei mais poderoso do
ocidente sobre seus pés? Ao invés disso, escolheu um infiel no qual a
tratava como uma mulher, uma diferente, não qualquer cortesã transeunte
aos arredores de
Damasco. Saladino a tratava como rainha e isso entrava nos nervos do deus numa fúria sem limites.
–
Também nunca esquecerei quando ele utilizou a Perséfone para me vencer
na Terra Santa. Duas vezes, duas vitórias. Eu aprendi a lição, deus do
vinho...
Olhando ao convite entregue pessoalmente pela equipe do
megaempresário italiano, ele notara a particularidade da festa.
Aconteceria num forte, há alguns quilômetros distantes da costa da
capital baiana. Para se chegar a tal lugar, precisaria de lanchas ou
catamarãs a levar todos os convidados os quais queriam ver a nova magia
do “Il Mago”. Pelos seus contatos no congresso brasileiro, Nero alugara a
região muito tempo antes e os preparativos a festa ocorreram em sigilo
durante a sua viagem de ida da Itália ao Brasil. Além da conferência a
ver a utilização da nova tecnologia, haveria uma reunião a portas
fechadas com alguns membros escolhidos a dedo pela estafe do pôster-boy
do século vinte e um e capa das maiores revistas de negócios do planeta.
O
deus interior dentro de si urgiu a sair. Queria cuspir no convite e
matar todos na festa. Só que seu receptáculo humano o acalmou. Não era a
hora. Contudo, quando seria? Telefonou então a pessoa com a
inteligência capaz de criar um plano magnífico a uma situação perfeita
como aquela.
– Ji Young Park – murmurou, na maneira ocidental, o nome do humano que continha a alma de Thanatos.
O celular do programador e assassino tocou duas vezes antes de ser atendido...
– A que devo a honra de sua ligação, Senhor Carter? – a voz do outro lado da linha parecia levemente alegre.
–
Preciso de um plano, eu quero me conter durante a festa. Não quero
esganar ou utilizar meus recém-despertos poderes na frente dos outros
grandes. O que devo fazer? Estou louco! Preciso de alguma coisa para não
ir ao Tártaro e libertar todos os seres e espíritos...
– Acalme-se – o tom ficou mais sério – O que você está experimentando é a fase do reconhecimento, a fase do conflito.
– Que fase é essa? Diga-me!
–
Seu deus quer tomar o controle pleno e total de seu corpo. Não sente
uma queimação interna como se estivesse ardendo no mármore do inferno?
Não possui uma dor excruciante nas juntas e nos ossos? É Hades querendo
sair. Quer destruir a alma do empresário Carter e se tornar um deus. Ele
é um leão urrando a floresta visando tomar o controle de tudo e de
todos – Park rodava em sua cadeira, no escritório chefe da organização
assassina, em Busan, Coréia do Sul.
– Foi assim com você? – Vincent tremia à medida que mais memórias apareciam perante seus olhos e ouvidos.
–
Não. Estava em completo transe quando Thanatos tomou meu corpo pela
primeira vez, porém vivemos em simbiose. Trocamos de alma e corpo
diversas vezes. Somos duas personalidades em uma só. Protegemos a mente e
a integridade mental um do outro. Nem todos os deuses são assim. Talvez
nenhum. Alguns selam dentro de si, outros preferem ignorar, mas a coisa
é certa: eles estão lá para explorar seu momento de maior fraqueza.
–
Como um amor perdido ou desejado? – os dentes do norte-americano
trincavam e malmente ele conseguia pronunciar suas sentenças. Sua cabeça
não conseguia raciocinar mais nada.
– Perséfone lhe causa isso.
Esse ardor, esse desejo de estar com ela a qual se torna uma obsessão.
Sabe o porquê você nunca a consegue depois da derrocada divina? – Park
mantinha a seriedade ao telefone enquanto concentrava-se em digitar algo
em seu computador – Você não entende os humanos.
– Entender? Onde
já se viu o deus que controla todo o mundo inferior ter que entender a
raça que lhe deveria servir? – Hades queria entrar, Vincent queria sair.
O conflito entre as duas almas e a briga eterna por aquele corpo mortal
era tão grande que lágrimas vermelhas começaram a cair dos olhos do
humano. Era sangue – ONDE É QUE EU DEVO SEGUIR AS ORDENS DE UM HUMANO?
–
Exato. Esse pensamento faz você perder sua eterna amada. A Perséfone
está dentro da Charlotte e vice-versa, mas ela aprendeu de certa forma a
conviver com a humanidade em seu dia a dia. O Dionísio? O mais humano
dos deuses olimpianos é o mais capaz a se misturar e ter vidas felizes
atrás de vidas felizes. Não consigo ver deus mais completo a viver em
harmonia no planeta que ele.
– E então? Eu pedi um plano e não um elogio ao meu pior inimigo...
–
Faça o seguinte. Ache um receptáculo para a Perséfone, depois um jeito
de separar os espíritos e por fim... Agora se me der licença, meu deus,
tenho outros planos a fazer.
Park desligou sem dizer uma palavra
de despedida, porém Vincent não precisava de mais nada para reganhar o
controle completo de seu corpo e parar com os sangramentos. O gatilho a
Hades era o ódio de ser derrotado nas únicas vezes em que Dionísio
adentrara em seu caminho ou o simples fato de vê-los juntos e felizes
enquanto ele sofria ardentemente pela rejeição. Necessitava do controle,
do rebuscamento das origens e do porque ele era o deus do submundo.
Governante das almas que passavam pelo purgatório, comandante do
descanso eterno e julgador supremo de todos os mortos. Sorriu; ainda
imerso a sua poça escarlate. Gargalhou; como se não existisse nada além
de um simples homem. Muitos pensariam que ele havia enlouquecido. A ele,
uma revelação.
O único grego citado no Velho Testamento. O
cavaleiro da morte cuja sela era Thanatos. Hades podia tudo. Nem Zeus,
quando na crise do sequestro da bela filha de Deméter pôde contra sua
astúcia e perspicácia. O herdeiro da família Carter, tremendo e
sorrindo, caminhou vagarosamente em direção ao banheiro com o intuito de
se lavar e cumprir a primeira parte de seu tórrido plano de separar as
almas da pobre de espírito, mas rica em termos materiais: Charlotte
Wickery. Ignoraria o romance, por agora, além da interferência
desnecessária de Christian, um goleiro famoso o qual iria para a
concentração. E quando fosse, seria a sua deixa.
Como um velho sábio oriental disse uma vez:
“Evite seus inimigos onde eles são mais fortes...”.
A
francesa e o belga eram quase imbatíveis juntos contra ele. Não iria
contra a magia etérea do amor e da paixão. Uma mulher frágil tira forças
de onde não existe quando seu filho está ameaçado. A mesma coisa
acontece com o verdadeiro amor. Não de deuses. De humanos. Ji Young, o
assassino coreano, havia dado a dica perfeita: Perséfone e Dionísio
estavam aprisionados em corpos humanos. Eles eram humanos. O seu romance
era humano.
“... Ataque-os aonde menos se espera”.
Não
divino. Logo, assim que eles se separassem. Ele, igualmente a uma cobra
espreitando sua presa, acompanharia a vida e obra de ambos. Indiferente.
Eloquente. Perfeito. Até o momento de segurança e distração...
A qual, a eles, seria fatal. E somente nessa hora, Vincent daria a Hades o gostinho da vitória plena. Da vitória perfeita.
Do inferno perfeito.
Capítulo escrito por Vini Ribeiro
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