Um sonho. Uma mulher.
Era assim que o jogador de futebol
Cristiano de Wjier sentia-se desde que entrara em rota de colisão com
uma garota francesa da mais alta sociedade. Ela era a definição de um
sonho, uma utopia incapaz de ser atingida da mesma forma dos idos de
Platão, ou seja, algo impossível. Mas ainda sim, ele conseguiu de alguma
forma e agradecia a quem quer que fosse por isso. Seria a deusa da
sorte sorrindo para ele? E por que ele ficava murmurando isto quando na
verdade ele, em si, seria um próprio deus? Se ele existisse o que
aconteceria com as crenças cristãs e pagãs? Por vezes se perguntava, por
vezes necessitava apenas em curtir o momento.
Já estavam no
aeroporto de Florianópolis quando o mesmo recebera uma ligação de seu
empresário, urgindo a que ele voltasse à Bélgica a fim de negociar um
contrato milionário com o galáctico time do Real Madrid. Somado a isto,
havia a necessidade de sua apresentação à seleção daquele país, pois as
eliminatórias para a Eurocopa iriam recomeçar. Realmente ele não teria
tempo suficiente a ir a festas, mesmo sendo do poderoso e influente
empresário italiano, Nero Pagani.
Porém ele não queria ir a lugar
algum sem ter que levar a, no momento, sua Charlotte. Pensou em ignorar a
festa, mas ele não sabia qual seria a sua reação. Com certeza teria
seus próprios afazeres e negociações a fazer.
Charlotte estava
exausta, meio sonolenta por conta dos últimos eventos. Quando entrou no
avião ao lado de Cris imediatamente sentou-se e relaxou na poltrona,
aquela era a primeira vez em muito tempo em que ela se sentia tão
confortável ao lado de um homem.
– Você parece tenso. Aconteceu
algo? - Ela indagou, tentando parecer despreocupada e retirar um pouco
das preocupações de Cris.
– Um dilema, eu diria, meu anjinho -
ele suspirou e forçou um sorriso - Tenho uma convocação para ir amanhã,
mas sinto que devo ir à festa do Nero por alguma razão.
– Você
não está pretendendo me dar um bolo, não é? - Charlotte fingiu estar
irritada, mas riu para ele e apoiou o rosto em seu ombro logo em
seguida.
– Longe disso - ele, imediatamente quis se corrigir -
Claro que irei nessa festa com você, mas terei que ter um carro
preparado de antemão. Só digo que a partir de hoje teremos que realmente
correr. De qualquer maneira, está a fim de enfrentar o destino ao meu
lado?
– Posso correr com saltos altos sem problema algum. -
Charlotte olhou para Cris por alguns instantes e desejou que ele pudesse
compreender que ela realmente queria ficar ao lado dele. - Eu quero
ficar com você.
– Eu não sou um cara bem letrado, mas eu não
quero que você saia de perto de mim nem por um segundo - dizendo isso,
ele acariciou o rosto de sua amada - Tenho que te mostrar tanta coisa...
Incluindo o lugar onde eu nasci como eu vivi, e como eu cheguei aqui.
Estar com você é o ápice de minha vida pessoal.
Seu sorriso infantil denunciava a felicidade vivida naquele momento.
Ela devolveu o sorriso e segurou a mão de Cris. - Eu adoraria compartilhar isso com você.
Ele então se lembrou do passado e da mesma forma que se recordava, contava a Charlotte os maiores detalhes.
"Eu
nasci em uma viela na cidade de Bruxelas, na Bélgica. Meus pais se
conheceram por causa de uma viagem de minha mãe, brasileira, para
estudar na universidade de lá enquanto meu pai era um comerciante de
segundo escalão. Eu nasci depois de uma espécie de ficada de uma noite
apenas e minha velha teve que batalhar para viver estudando e me
criando. Meu pai ajudava sempre que podia, mas não fazíamos dinheiro
suficiente a sustentar bem nossa família.”
“Quando fiz três anos, o
internato de minha mãe foi finalizado e ela teve que voltar ao Brasil, a
cidade de Porto Alegre no estado do Rio Grande do Sul. Meu pai, não
querendo abandonar minha mãe com um filho sozinha, vendeu tudo e veio
com ela para cá. Esse estigma de família talvez venha dele, que
abandonou quase trinta anos de comércio nas principais feiras europeias
para ajudar uma quase desconhecida a criar o filho deles.”
“Aos
sete anos, deixei de estudar para trabalhar e incrementar a renda de
nossa casa. Natália - minha irmã mais nova - não precisava disso, por
que eu fazia questão de levá-la todos os dias na escola. Vendia colares e
procurava livros no lixo com o singelo objetivo de nunca parar de ler,
escrever ou até mesmo estudar. Nas horas vagas que tinha - era ambulante
- preferia ir ao campinho e ver os outros jogarem futebol. Lembro-me da
minha ruína na linha, no dia em que eles me chamaram, e por causa disso
fui ao gol...”.
“Fiquei bom. Goleiro só precisa ter algumas
funções que na linha sequer imaginava ter. Eu vivi minha vida não
reclamando das dificuldades como todos fazem, mas sorrindo e feliz pela
oportunidade que a natureza me deu de viver nessa época renhida e cruel.
Divertindo-me com amigos, atualmente, de longa data. Até que um dia, em
Porto Alegre, um olheiro me viu e me chamou para treinar no Juventude
de Caxias do Sul. Aceitei de imediato e todo meu salário foi a minha
família."
“Hoje eles são verdadeiros comerciantes. Como eram antes de eu nascer. Fiz questão de recompensá-los pelo trabalho duro”.
–
Cheguei aonde cheguei Charlotte. Como eu disse, eu mantenho minha
felicidade a frente das adversidades. E assim eu estou aqui do seu lado,
viajando e curtindo com você. Eu quero lhe mostrar tudo isso que eu lhe
falei, por que eu lhe acho tão importante, que desejo compartilhar isto
contigo... - terminara então com seu gesto mais famoso: um branco
sorriso. - E quem ver eu hoje, nem imagina as dificuldades que passei.
Charlotte
piscou algumas vezes sem falar nada, ela sabia que a vida de Cris havia
sido difícil, naquele momento sentia-se mal ao recordar-se das
exuberâncias de sua vida. Ela era mimada, sem foi. Poderia ter crescido
sozinha, mas seus desejos eram ordens. Ela acariciou o rosto de Cris,
desejando poder abraçá-lo forte.
– Acha que seus pais vão gostar
de mim? - Apesar de todos os casos que teve em nenhum momento pensou em
conhecer a família dos garotos com quem saia.
– Acho que sim,
mas a casa que eles vivem até hoje é simplória. Nada muito chique com
glamour viu? - sentiu na responsabilidade de avisar, afinal a vida de
Charlotte não era novidade a ninguém.
– Eu não sou tão superficial assim - Ela retrucou, fazendo uma careta.
–
E meu pai é meio grosso. Não se assuste. Minha mãe é uma fofa, sempre
fica me ligando para saber se eu já casei e essas coisas. Vai amar sua
visita, ainda mais, do jeito que é encantadora Char, garanto que meus
pais irão gostar de você do mesmo modo que eu.
– Estou ansiosa
para conhecê-los! - Respondeu com um sorriso, depois voltou a apoiar o
rosto no ombro dele. - Sinto algo estranha sobre essa festa.
– A
do Nero? - ele vislumbrou a janela do avião já alçando voo - Também
sinto, mas é algo que me instiga a não ir... E você? O que acha?
– Eu não sei - Levantou o olhar para ele. - Acho que deveríamos ir.
– Por quê?
–
Uma lista de convidados tão... diversificada como aquela merece
atenção, não acredito que Nero convidaria qualquer um sem que houvesse
um motivo.
– Ele já fez tanta coisa sem motivo. Nunca vi cara
mais extravagante que ele. Mas concordo, uma lista que tem uma ex-atleta
olímpica, uma estudante, um músico cujo nome nunca ouvi falar... É algo
que se não fosse dele, eu estaria gargalhando.
– Talvez ele esteja realmente ficando doido. - Ela deu de ombros.
– Char, mudando de assunto, conte-me mais do seu ativismo.
–
Meu pai era um homem generoso - Falou com um sorriso ao lembrar-se da
imagem do pai - Costumava manter médicos e educadores em algumas áreas
da África e algumas outras partes do mundo, além de financias várias
pesquisas. Quando minha mãe morreu, vítima de um tumor, ele estendeu
seus esforços para aqueles que sofriam com o mesmo problema. Cresci
sabendo que deveria manter os projetos dele, é nesses lugares que a
imagem dele permanece mais viva.
– Entendo. Depois eu passo um
cheque a essa fundação e levo uns amigos à África para a gente bater uma
bolinha com eles. O que acha?
– Acho que eles iriam adorar Cris.
***
Como
um néctar divino, oriundo da mais pura fonte do monte Olimpo, a voz da
garota ruiva a seu lado permeou seus tímpanos e sua mente. A doce
Charlotte, a qual diferente dele vira absolutamente nada no mundo em
geral. Ingênua e protegida. Sofria a entender de certa forma a vida que
ele levava. E sobre o eterno céu azul - negro, dada à noite - eles
adormeceram profundamente após sorrirem um ao outro, sobre um bom e
velho vinho Bourdoux 1993.
Especificamente naquele dia, ele sonhou
com algo com o qual nunca deveria lembrar. Seu xamã disse que
certamente ele se lembraria das vidas passadas de seu deus interior a
fim de entender os aspectos diversos do único olimpiano a nascer de uma
humana, sendo assim, o mais próximo da raça vil habitante da terra. Tais
coletâneas tinham três aspectos distintos nos quais evidenciaram e
moldaram a atual personalidade de seu ser interior
O primeiro
deles foi um chinês da era dos Três Reinos chamado Zhou Yu. O segundo
foi um Califa Abássida do século IX chamado Harun al-Rashid e, por fim, o
mais crucial de todos e cujo conflito se estenderia por toda
eternidade: Saladino. Era ali, nas Cruzadas, um dos mais enigmáticos
movimentos religiosos da história que os destinos de Hades, Perséfone e
Dionísio cruzavam-se para nunca mais serem esquecidos.
O ano era
de 1190. Dionísio observava as ações de Saladino e as lamentava apesar
de entender. Deveria defender sua religião, sua devoção. Os cristãos não
entendiam que os mulçumanos nunca deixaram de permitir a adoração de
outras religiões, ainda sim, eles queriam massacrar seu povo e sua
terra. Como representante do mundo divino, Dionísio dava carta branca em
assegurar que a Guerra Santa, que deus estava do lado do xeque gênio
criador de uma dinastia no Egito.
Foi quando uma linda mulher de
cabelos flamejantes torrados pelo sol surgiu em seu campo de visão. Era
uma das mulheres capturadas perante uma das batalhas contra aqueles
infiéis. Ela era guerreira, mas também uma cortesã. Ela tinha fibra, mas
era educada. Força de uma batalhadora, elegância de uma rainha. Segundo
seus atendentes era ela Sibila. Desconhecida a Dionísio, aquela era a
reencarnação de Perséfone.
Desde ali eles já enfrentavam seu destino.
– O que fazes na Terra Santa, senhorita?
Ela
virou os olhos para o moço que lhe dirigia a palavra, seu sorriso foi
flamejante e o azul de seus olhos brilhou de maneira indecente.
–
Uma jovem precisa encontrar meios de ganhar a vida, meu lorde - Deduziu
que o fosse, pelas roupas bem feitas que o homem vestia.
– E o senhor? Este não parece ser um lugar que alguém como você frequentaria.
–
Eu frequento todos os lugares que dão o prazer da minha presença - ele
continuou numa personalidade típica do deus do vinho - Mas o que pode me
dizer para me agradar?
Algo nos olhos do lorde despertou em
Sibila um sorriso leve. Considerando as roupas que trajava, o homem já
deveria saber o que ela poderia fazer por ele.
– Qualquer coisa - Respondeu sem pestanejar.
–
Então, se eu ordenar a você a espionar o líder inimigo, você o faria
sem demora? - ele estalou seus dedos enquanto adequava-se ao local onde
se encontrava.
Sibila deu de ombros.
– Claro, mas achei que o senhor quisesse algo mais agradável.
–
Mas eu quero - Saladino pegou ela pela cintura e imergiu no oceano azul
de seus olhos - Negócios sempre vem primeiro, porém prazer vem sempre
depois para aliviar as tensões.
Vinhos espalhados. Almofadas circundadas.
O primeiro embraço de um amor proibido estava prestes a começar
Capítulo escrito por Vini Ribeiro e Julia Hornick
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