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sexta-feira, 4 de abril de 2014

Capítulo 01: Confusão no Mercado

Era manhã, ainda bem cedinho, quando Calyoth saiu de sua casa vestindo uma longa capa que lhe cobria o rosto. Ela caminhou até o Beco das Sombras, onde seria o ponto de encontro com Andres. Ao o avistar na parte escura do beco, ela retirou o capuz.

– Nossa, isso deu mesmo certo, nem parece que é artificial.

Ele olhava com atenção para os cabelos e olhos da menina. Os cabelos pareciam naturalmente castanhos enquanto os olhos pareciam ser verdes, mas eles sabiam que aquelas não eram as cores naturais.

– Vai realmente dar certo? – indagou ela, insegura.

– Claro que vai! Olha só para você, está parecendo uma humana de verdade. Como conseguiu?

– Eu tenho meus truques, agora podemos ir? Não quero perder essa oportunidade.

Andres a levou até uma pequena construção de baixa altura, cuja fila para entrar era enorme, em frente à feira de produtos. A feira possuía diversas barracas de venda e vários vendedores, mas jamais voltara a ser esplêndida como era quando Calyoth era criança. Ela tinha apenas seis anos na época, mas ainda se lembrava dos mercadores de todas as raças que apareciam de toda a parte para vender suas mercadorias naquela praça, lembrava-se também da alegria de todos e da beleza que era.

Depois de tantos anos após a guerra, aquele lugar continuava cheio de vendedores, mas apenas humanos. Não havia mais aqueles de outras raças ou pessoas sorrindo por vender seus produtos, eram apenas pessoas pobres que tentavam desesperadamente vender o que tinham para conseguir comida ou pessoas que se interessavam apenas em ganhar dinheiro.

Apesar disso, tudo continuava exatamente igual ao que seus antepassados construíram, eram as mesmas pedras brancas que eles levantaram, todas continuavam no mesmo lugar. A loja de armas continuava a leste da praça, no mesmo prédio; a casa de fundição a sudeste, perto das loja de armas; a padaria a sul, em uma pequena casa; a sudoeste havia um pequeno estabelecimento de artefatos mágicos, que agora apenas pessoas autorizadas pelo rei poderiam comprar algo lá; a oeste estava a embaixada, restrita ao alto escalão do exército e ao rei. Ao norte não havia nada, apenas um longo caminho talhado em pedras brancas que levavam até o castelo, lugar onde ela viveu até a guerra acabar. Agora, pertencia ao novo rei, um usurpador.
– Não se preocupe, vai dar tudo certo - sussurrou Andres, segurando a mão da jovem.

Ela limitou-se apenas em sorrir, estava nervosa demais para dizer qualquer coisa. Aquela era a sua cidade, mas não lhe era mais permitido andar livremente por ela. Sempre que quisesse sair, ela deveria fazê-lo às escondidas e sempre com o rosto coberto para ninguém reconhecê-la, era refém da própria cidade.

A fila andou rápido, estavam prestes a entrar quando a confusão começou. A princípio não dava para ver e entender o que estava acontecendo na praça, mas depois de alguns minutos Calyoth conseguiu entender. Eram seres bem pequenos e alados, voavam rápido e àquela distância pareciam pequenos insetos, estes estavam criando uma verdadeira algazarra. Eles puxavam os cabelos dos feirantes e clientes, jogavam as mercadorias no chão, quebrando algumas, entravam pelas roupas das pessoas e até uma espécie de pó eles jogavam nos olhos das pessoas. A feira estava um caos, muitas pessoas gritavam e saiam correndo, mas as estranhas criaturas não pareciam se incomodar com isso, pelo contrário, estavam adorando.

– O que é aquilo? – perguntou Calyoth, aqueles seres eram estranhas para ela.

– Aquilo o quê?

– Aquelas criaturas que estão provocando a confusão na praça. Não consegue ver?

– Sinceramente, não. Tudo o que vejo são insetos assustando as pessoas.

Intrigada, ela continuou a observá-las, era estranho como ninguém mais parecia notar que elas estavam lá e que começaram a confusão. Seu olhar fixo sob elas não demorou muito para ser notado e, rapidamente, elas abandonaram a feira, que já estava deserta, e foram até a fila onde Calyoth e Andres estavam. Todos começaram a gritar e a correr, a fila foi dispersa enquanto alguns procuravam lugares para se esconder delas. Eles também se esconderam, Andres entrou na ruela atrás da loja e se escondeu embaixo de uma escada, enquanto Calyoth se enfiou embaixo de uma barraca que estava em uma das ruelas que levavam à praça.

– Humanos – desdenhou um dos pequenos seres.

Um deles entrou debaixo da barraca também sem que ela percebesse, subiu em seu pé e mordeu seu tornozelo. Calyoth soltou um pequeno grito de dor e trouxe seu pé para onde pudesse vê-lo. Para sua surpresa, um dos seres estava agarrado ao seu tornozelo, ela segurou uma das pernas da criatura e a ergueu até a altura de seus olhos.

– Solte-me, sua humana fedida – esperneava, aos berros, o ser.

Olhando-o mais de perto, ela pôde finalmente distinguir o que eram, não eram insetos como pareciam ser quando vistos de longe, eles eram pequeninos e eram um pouco parecidos com seu povo. Ela segurava uma pequenina mulher com olhos e cabelos negros, a pele branca que contrastava com o vestido rasgado negro. As asas eram finas e negras, mas pareciam também rasgadas.

– O que é você? – indagou ela.

Antes que sua pergunta pudesse ser respondida, as outras entraram embaixo da barraca e começaram a puxar os cabelos e vestido de Calyoth e a morderem, obrigando-a a sair. Eram todas pequenas mulheres, mas mais pareciam pequenos demônios. Ela tentou correr, mas tropeçou na barra de seu vestido no primeiro passo.

– Parem! – gritou ela, mas sem efeito.

As pequenas mulheres aladas continuaram puxando seus cabelos, rasgando seu vestido e mordendo seus braços e pernas. Calyoth tentava jogá-las para longe com suas mãos, mas elas eram rápidas e muitas, enquanto afastava algumas, outras apareciam para lhe importunar.

– O que querem de mim, suas pequenas diabinhas?

A princípio, ela não obtivera resposta. Porém, minutos mais tarde a que parecia ser a líder delas resolveu se pronunciar.

– Como uma reles humana consegue nos ver como realmente somos?

A líder... Esta parecia mais imponente do que as outras, era um pouco maior e as asas resplandeciam, emitindo pequenos raios verde-esmeralda, como seus olhos. Os cabelos loiros presos em um coque pareciam desaparecer no brilho prateado de sua armadura polida, Calyoth achou difícil de imaginar como alguém conseguira fazer uma armadura para um ser tão pequeno como aquele, que deveria ter o tamanho de sua mão.

– Eu... não sei... – ela hesitou por algum momento, mas por fim respondeu – e eu não...

Ela tentava dizer que não era uma deles. Não, ela não era, ela era obrigada a se vestir como eles, a falar a língua deles e até a se parecer com eles se quisesse ter um pouco de liberdade, mesmo que esta liberdade fosse fugir de sua prisão domiciliar por algumas horas. Mas Andres não a deixou terminar de falar, ele corria em direção a ela gritando “Guardas!”.

Atrás de Andres, outro daquela espécie vinha voando, ele acelerou o voo para chegar mais rápido. Por onde passava, deixava tênues rastros de luz que desapareciam alguns segundos depois. O pequeno ser, que também era uma pequenina mulher, chegou até Calyoth e as outras de sua raça mais rápido que Andres.

– Más notícias! Más notícias! – gritava ela em tom exasperado – Senhora, trago más notícias.

Calyoth a observou com curiosidade, aquela era pequena, menor do que as outras, e tinha uma aparência um tanto infantil. Os cachinhos dourados caídos em seus ombros, o vestido cor-de-rosa e os singelos olhos azuis davam um toque especial a sua aparência.

– O que você quer, Hana? – perguntou a imponente de armadura, seca.

– Eles enviaram guardas atrás de nós, senhora. – Hana arfava enquanto respondia.

– Fujam! Escondam-se! Mas não se deixem ser pegas! – decretou pouco depois de receber a notícia e processar a informação.

Todas elas voaram para longe, cada uma para um lado, deixando Calyoth em paz. Ela pôde finalmente se levantar, mas estava em estado deplorável, seu vestido estava todo rasgado e sujo, o cabelo uma bagunça e os braços nus cheios de marcas de dentes. Alguns hematomas já estavam começando a se formar ao redor das mordidas.

Quando Andres a alcançou, ela já estava de pé sacudindo o vestido para tirar um pouco da sujeira. O rosto do rapaz estava transfigurado em uma mistura de apreensão e medo, ele olhava constantemente para trás e estava pálido. Os olhos castanhos que sempre lhe transmitiram tranquilidade, agora lhe transmitiam pavor, ela sentia medo apenas de olhar para o amigo.

– O que foi, Andres? Você está me deixando preocupada.

– Caly, você precisa correr... O mais rápido possível – arfou ele.

– Por quê? Diga logo o que está acontecendo, está me assustando.

– Heitor... Ele está comandando os guardas e caçando algo por toda a cidade, se ele te encontrar, vai te reconhecer. Você precisa ir, precisa voltar para casa antes que ele te encontre, ou vai usar sua fuga como pretexto para conseguir o que tanto quer – ele parou, hesitou um pouco antes de se aproximar de Calyoth e voltar a falar, agora em um tom mais suave –, corra, eu darei um jeito para atrasá-los enquanto você vai.

– Obrigada, Andres.

Ela o abraçou por breves segundos, foram poucos, mas o suficiente para ele sentir aquele doce perfume que ele tanto amava, a mesma fragrância da flor que lhe dera o nome, e o calor do corpo da mulher que desejava. Depois, quando ela o soltou, correu pelas tortuosas ruelas do Mercado Negro enquanto ele a assistia, parado, como em transe, distanciar-se até desaparecer pelas ruas. Então, ele seguiu com o que deveria fazer e tentar auxiliar os guardas a encontrar o que procuravam, mantendo-os longe de sua amada.

Ela correu, correu como nunca havia feito antes, passou por várias casas até ser obrigada a parar. As ruas do Mercado Negro eram estreitas e todas passavam por trás das lojas principais que contornavam a praça, por isso, do outro lado, ela escutou as vozes de dois guardas. Uma delas era de Heitor, ela conhecia aquela voz repugnante e cheia de autoritarismo, a outra devia ser de algum guarda qualquer, pois ela não a conhecia. Aproximou-se do limiar da lateral da casa e escutou a conversa.

– Se-senhor, ainda não temos nenhum sinal do paradeiro dos insetos. Acredito que será difícil encontrá-los pela cidade, a essa altura podem estar longe.

Heitor segurou o guarda pelo colarinho, aproximou-se do rosto do rapaz e então sussurrou.

– Eu não quero saber o que você acha, quero que você capture aquelas malditas... Digo, aqueles malditos insetos. Agora! – Então ele o soltou.

– S-sim, senhor – respondeu o guarda.

Calyoth ouviu ruídos de alguém correndo seguido de um segundo barulho, o de um chute. Alguém chutara alguma coisa feita de madeira que se quebrou, provavelmente alguma barraca que fora deixada para trás pelos mercadores. Ela se arriscou a olhar, colocando apenas o olho direito para fora da proteção que a parede da casa lhe dava, era Heitor, ela reconheceria aquelas roupas em qualquer lugar, mesmo se não pudesse ver seu rosto. Apenas metade do corpo dele estava visível para ela, a outra estava atrás das mesmas paredes da casa. Ele chutava com fúria algumas tábuas de madeira de alguma barraca, quebrando-as.

– Eu deveria ter arrancado as asas delas q...

Um grito abafado acompanhado de um puxão de cabelo fez Calyoth estremecer e Heitor parar seu monólogo, ela rapidamente voltou para o abrigo integral da parede enquanto ele procurava aos arreadores por vestígios de alguém.

Atrás da parede, ela sentia seu coração martelar em seu peito, sabia que era uma questão de tempo até ele a encontrar, sabia que deveria sair dali o mais rápido possível e se esconder. Mas como fazer isso quando a única passagem está bloqueada? Ela não sabia, só sabia que tinha que dar o fora dali.

Antes disso, ela precisava descobrir, afinal, o que puxara seu cabelo já que aquela rua continuava deserta. Ao colocar o cabelo todo para frente, em seu ombro, ela encontrou um daqueles pequenos seres alados que ela teve o desprazer de encontrar alguns minutos atrás. Era a mesma mulher de cabelos e olhos negros e roupas e asas rasgadas que mordera seu tornozelo, ela estava de cabeça para baixo e toda enrolada em algumas madeixas.

A pequena mulher alada tentou dizer alguma coisa, mas foi interrompida pelo dedo de Calyoth em sua boca e um sinal para que ficasse em silêncio, mais barulho que chamasse a atenção era a última coisa que ela queria. Ela já podia ouvir os passos de Heitor em sua direção, precisava sair dali e rápido. Olhou rapidamente pela área e entrou em um pequeno beco que havia entre duas casas atrás da que estava escondida. Como todos os becos da cidade, aquele não era diferente, era muito escuro e fedia, mas aquela escuridão poderia ser uma vantagem, um esconderijo quase perfeito.

As duas esperaram na escuridão em silêncio, enquanto Heitor vasculhava os arredores. Ele entrou na rua onde estiveram e olhou com atenção atrás de alguém, contudo, a rua estava deserta e muito silenciosa, havia somente as casas feitas de pedras, algumas barracas de madeira e as pedras do chão. Não importava para que lado olhasse, estava tudo calmo, mas continuou olhando assim mesmo, talvez pudesse estar deixando algum detalhe passar.

– Senhor Sternt, encontramos uma testemunha – disse o capitão da guarnição de Defrien, Brian Carter. Heitor nada disse em resposta, então ele prosseguiu – A testemunha afirma ter visto para onde foram os insetos.

Heitor anuiu.

– O que foi, Senhor?

– Nada... – ele parou e voltou a olhar as ruas, mas nada havia lá fora do normal – Só pensei ter ouvido alguma coisa... Mas vamos, precisamos interrogar esse rapaz e achar os insetos antes que eles causem ainda mais danos – ele deu as costas à rua do Mercado Negro e caminhou até Brian que estava na praça. – Qual o nome desse rapaz?

– Andres, Senhor. Andres Miteal.

– Filho do lorde Miteal?

– Sim...

As vozes dos dois foram ficando cada vez mais baixas até ela não conseguir mais entendê-los e, então, sumir. Era um alívio saber que aquela ameaça desapareceu, mesmo que apenas por um momento, ele nunca sairia de sua cola, sabia disso. A obsessão de Heitor por ela era doentia, todos notavam isso, menos ele.

– Eles se foram – disse a pequena mulher.

– Eu sei... – ela respirou aliviada. – Segure-se firme, preciso correr - ela colocou o ser em seu ombro e voltou a correr. Por um bom tempo, encontrou apenas ruas vazias por toda a cidade. Conseguiu chegar até o Beco Sombrio e pegar sua capa, vestiu-a e voltou a correr pelas ruas desertas da cidade.

Chegou com rapidez até a periferia, onde o seu povo vivia. Era uma visão desoladora a daquele lugar. Todo um povo que um dia tivera seu prosperidade, agora se resumia apenas àquilo, a escória da sociedade humana, obrigados a se submeterem a todos os interesses humanos. Viviam em paupérrimas casas de palafitas a beira do mar e se matavam de trabalhar em empregos que nenhum humano queria mais para ganhar um salário miserável, toda a magnificência de que se lembrava se transformou em miséria. E isso tudo por causa de uma guerra, a guerra que marcou para sempre o seu povo.

– Olhe só o que a guerra fez ao meu povo – disse Calyoth a pequenina em seu ombro, seu tom de voz era sombrio.

As casas de palafita eram pequenas e pareciam que iriam cair no mar a qualquer momento, o deque balançava a cada passo que Calyoth dava. Apesar da pobreza, os poucos que restavam estavam na maior construção que tinha ali, um pequeno bar que apenas sua raça frequentava, eles comemoravam o feriado.

– O que aconteceu?

– Segure-se firme, alguns guardas já chegaram até aqui, preciso correr – ela não teve tempo de responder, correu por todo o deque, escondendo-se atrás de paredes de madeira quando necessário.

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